07/06/2016

Guerra e Paz - Liev Tolstói / Diário de Leitura #13

Em 2016, leio Guerra e Paz pela primeira vez e registro aqui um diário de leitura com postagens para cada uma das partes dos quatro tomos e epílogo.

Postagens:
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DL#16

Tomo 4 - Segunda Parte




 Nessa parte só deu ele: Kutúzov!! Eu já o mencionei e até defendi várias vezes ao longo das postagens desse diário de leitura, mas acho que ainda assim não havia dado o devido destaque que essa personagem histórica e literária merece. Suponho que Tolstói o admirava bastante, pois o Excelentíssimo surge em Guerra e Paz sob uma luz realmente generosa e enaltecedora. A impressão que fica é que a maneira sensata e experiente com que o comandante raciocina está em ampla harmonia com as ideias defendidas por Tolstói.


A guerra, agora, parece ter entrado numa dinâmica meio "gato e rato", com alternância de avanços e recuos de cada lado; ainda que a contragosto de Kutúzov, que defendia que bastaria esperar, e o inimigo francês colocaria, ele mesmo, a corda no próprio pescoço, e então seria apenas uma questão de chutar a cadeira (tendo em vista que as tropas francesas já estavam em frangalhos, "carregando consigo as condições da catástrofe inevitável"). A movimentação decisiva para essa mudança de panorama (a vantagem de forças passando para o lado dos russos, apesar das novas hilárias trapalhadas que cometeram) envolveu o deslocamento russo de Riazan para a estrada de Kaluga, rumo ao acampamento de Tarútino - a chamada Marcha de Flanco. Com ela, os russos ganham tempo e condições para se reorganizarem e abastecerem; enquanto os franceses decidem deixar Moscou e partir para cima (literalmente, pelo mapa, seria "para baixo") do inimigo, ainda que completamente fragilizados e desorganizados - a despeito dos esforços de Napoleão.

Mais uma vez Tolstói aparece pentelhando os historiadores e, confesso, este estalo só me ocorreu agora: é bem provável que ele tenha decidido escrever Guerra e Paz impelido pela pessoal necessidade premente de construir a narrativa desse conflito da maneira como efetivamente ocorrera, desatando os nós de todas as incongruências mais do que óbvias (na opinião dele, é claro). Fica a observação para uma pesquisa ao término da leitura.

Novamente Tolstói reforça a Lei da Coincidência das Causas, ressalvando, em linhas bem gerais, que nenhuma daquelas movimentações militares foi deliberadamente premeditada e/ou tendo a certeza da ocorrência de um resultado específico. Para ele, a Marcha de Flanco era apenas lógica (só faltou dizer que qualquer imbecil teria feito aquilo), enquanto Napoleão, por sua vez, fez tudo o que podia para reorganizar suas tropas, mas é como disse Tolstói: ninguém ali estava efetivamente no comando, pois "uma incontável quantidade de forças livres influencia os rumos da batalha."

Surgiu aqui, também, mais uma passagem cuja premissa correlaciona-se proximamente ao subtexto que mencionei na DL anterior, o das mocinhas apaixonadas manipulando suas memórias:
"(...) ele (Kutúzov) sabia que peso dar a boatos, sabia como as pessoas que desejam algo são capazes de organizar as notícias de modo que pareçam confirmar o que desejam (...)"
Ou seja, a postura adotada pelos historiadores da época seria comparável a de moças enamoradas, desvirtuando suas memórias? Comparável às engrenagens de boatos? Interessante...


↪ Voltando rapidinho ao Kutúzov:
Procurando por imagens dele (vergonhosamente, só o fiz agora), fiquei encantada com este quadro de Aleksey Kivshenko - a Conferência de Filí -, que traz a menininha que, na narrativa de Tolstói (tomo 3, terceira parte), acompanha a reunião do seu "vovô" Kutúzov:


↪ Quanto a Pierre: saiu de Moscou com os demais prisioneiros, escoltado pelos franceses em retirada para a ofensiva. Senti que, nesse momento, ele está entrando numa vibe meio franciscana, atingindo uma tranquilidade de alma, uma elevação espiritual (acho) proporcionada pela situação de privações extremamente difícil na qual se encontrava. Finalmente Pierre compreende a crença defendida por Andrei de que a felicidade só existiria de forma negativa, ou seja, pela ausência de sofrimento, pela satisfação das necessidades e pela liberdade de uma forma de vida. Aliás, ele já até reconhece como fora tolo ao crer que a eliminação de Bonaparte estaria em suas mãos.

E o "céu" (símbolo recorrente na narrativa), aquele mesmo que inundara a alma de Andrei na batalha de Austerlitz, surge também para Pierre, com sua grandiosidade inebriante.
            "E tudo isso é meu, e tudo isso está em mim, e tudo isso sou eu!, pensou Pierre."

↪ Devaneando...
(Acho que já falei isto em outros DL's, mas como não lembro...:) A teoria defendida por Tolstói me causa um certo desconforto quando extrapolo-a para a vida de um modo geral. Creio que, em última instância, ela implica no reconhecimento das noções de destino, carma, providência. Não tenho uma opinião definitiva sobre esse controverso assunto, mas apenas a certeza - hoje - da sensação de certa angústia com a possibilidade de que o comando da minha vida não repouse unicamente em minhas mãos - a noção do controle ilusório. Ao mesmo tempo, será que isso não deveria me dar certa tranquilidade, já que nada dependeria exclusivamente das minhas ações? Ambas possibilidades? Complicado. Como talvez dissesse Nikolai Rostóv: não sei de nada.

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