01/07/2019

[autoficções] #02

📓 Pelo visto, este formato de postagem não morreu. (Ainda) ¯\_(ツ)_/¯ Agora, em roupagem bem mais malevolente. (= mesma bobajada de sempre.)


📓 A caminho do trabalho, enquanto me dirigia às escadas do metrô, vi uma mulher andando em sentido contrário, completamente pelada. De início, tomei um baita susto, no entanto logo minha mente se perdeu em um labirinto de conjecturas:

- Devo perguntar se ela precisa de ajuda? ↷
- E se ela tiver sido roubada? Estuprada?!! ↷
- Mas ela está tão tranquila, não chora, até demonstra feições que sugerem certo aborrecimento com os olhares... ↷
- Parece até ter saído do banho! Quê? ↷
- Mas e se for uma senhora em situação de rua, necessitando de ajuda? ↷
- E se ela apenas deseja/prefere andar pelada, por uma curta distância, sem ser importunada? Qual o problema em andar pelada por aí? Tem problema mesmo andar nua no meio da multidão? Vou me meter na vida dela porquê? ↷
- Isso é realmente da minha conta? (…) Se ela estiver precisando de ajuda, talvez seja, sim. ↷
- Nah, ela está andando super resoluta, olha lá. (...) Mas o enfado causado pelos olhares sugere desconforto... ↷
- Ai, estou tão atrasada, que não poderei fazer coisa alguma.

E todo esse percurso, que me levou a lugar nenhum, deve ter durado seis segundos. Rende um conto?


📓 Kathryn VanArendonk, jornalista do site Vulture, escreveu um artigo contando sua jornada de compra do macacão que Phoebe Waller-Bridge veste no primeiro episódio da segunda temporada de Fleabag. E com direito a foto vestindo a peça e tudo. Como o texto me trouxe alegria. Logicamente eu sabia que não era a única a ter ficado hipnotizada com a imagem da Waller-Bridge naquele decotão (quando meu olhos bateram no all-star/vans vermelho que a personagem escolhe usar junto, fui rendida de vez), mas não tinha atinado para o quão fácil é trazer um exemplar da vestimenta para o guarda-roupa de alguém. No meu caso, a dificuldade para efetivamente vesti-lo, porém, segue intransponível, visto que 1. não tenho corpo longilíneo, 2. não tenho seio pequeno o suficiente e 3. odeio usar decote. Em se tratando de desejar peças de roupa vistas em série de TV, creio que minha cabecinha ainda opera segundo aquela da Daniela dos 2000's que, padecendo numa cidade onde só há uma estação do ano (= inferno), teve de se contentar em apenas sonhar que corre em slow-motion vestindo o casaco verde da Buffy.


E “logicamente” n°2: não é “apenas” uma peça de roupa. VanArendonk faz uma boa análise do papel que o macacão assume na construção narrativa da personagem em Fleabag.

 Clothes are also everything, Anthony!

Trago o ótimo resumo final dela:
"It sends exactly the message Fleabag wanted it to send: It looks like I made an effort, and I look great, but also I mostly already was great, thank you very much. You can tell, because I had the good sense to buy this very reasonably priced and alluring jumpsuit."

📓 Pera, a ficha só caiu agora. Primeiro eu defendi o direito de se andar pelada por aí, depois eu parafraseei uma piadinha de série de TV, para afirmar que roupa é tudo. Caí em contradição ou valem as duas coisas? Que atrapalhação!



Propositalmente, mantive a Emilia Clarke no print, porque acho que a imagem prova que o meme está corretíssimo:

📓 Simplesmente não consigo parar de assistir a Fleabag. Há alguns dias, toda noite antes de dormir, tenho revisto minhas cenas favoritas da segunda temporada. Help me, Father. Help.me.


📓 Como já pisei na jaca, decidi enfiar o pé de vez e fui lá ver Smithereens, o segundo episódio da quinta temporada de Black Mirror (série que detesto) por motivos de: Andrew Scott. ¯\_(ツ)_/¯ Esgotei os vídeos de entrevista com ele no You Tube (— Aliás, suspeito de que seríamos bons amigos, Andy. Partiu para um chocolatinho quente?), daí não tive outra saída, senão encarar Black Mirror. Bom, o Scott está legal, mas a história é meio simplória. 

Por sinal, o episódio trouxe nova confirmação de que, após a morte, padecerei nas trevas, pois, quando a personagem disse, chorando desesperadamente, que matou a mulher em um acidente de carro porque se distraiu dando like em foto de cachorro fofo no twitter, o que foi que eu fiz? Eu ri. Eu ri, e não foi pouco, não. (*Fiquei um tantinho mal depois, porque suspeito de que deve haver casos reais similares. Paciência; agora já ri.)


📓 Ezra Koenig (banda Vampire Weekend) e Thomas Mann estão separados no tempo e no espaço pelo pico de uma montanha coberta de neve. Aproximo-os com prazer. (com uma pitada de Vonnegut:)



📓 Achei que a atual ~conjuntura nacional~ (😟) pedia a leitura do A Utilidade do Inútil, escrito por Nuccio Ordine, porém que bela porcaria (na minha opinião etc®). Trata-se da mera colagem de uma porção de lugares-comuns sobre o tema, com muitas citações de autores diversos. Só há praticamente um argumento: affe, 'ceis acham inútil só porque não dá dinheiro. fim ao capitalismo! A gota d'água é quando o cara me manda esta (logo no começo, felizmente):
"(...) a literatura. (...) por ser imune a qualquer aspiração a lucros, (...) Sua própria existência, de fato, chama a atenção para a gratuidade e para o desinteresse. (...) inútil, portanto, porque não pode ser monetizado."
                                                    - Nuccio Ordine, A Utilidade do Inútil (tradutor: Luiz Carlos Bombassaro) 

Literatura não pode ser monetizada? Meu amigo, vivemos em uma época em que existem leitores que recebem grana pra falar de um livro na internet, então: menos, né?  Inocência só é legal em doses homeopáticas – e olhe lá. (É possível que eu tenha levado a coisa muito ao pé da letra, mas infelizmente meu cinismo capitalista não colaborou com concessões.)


📓 Depois do aborrecimento com o livro do italiano que acredita em uma literatura imune ao capitalismo, caí de paraquedas em um musical indiano que é o puro suco do dinheiro x literatura. Arriscarei um resumo tosco.

Pyaasa narra a história de um poeta (é lógico) cujo sucesso só vem depois que ele supostamente morre. Enquanto vivo, o moço não tem o que comer, nem onde dormir; e os irmãos chegam a vender todos os papeis nos quais seus poemas estão escritos, para servirem de embrulho na feira. Que dó. Ninguém dava a mínima, exceto uma prostituta que, por acaso, lê os versos escritos no papel da feira e fica encantada.

Daí, o mesmo editor que tinha mandado o poeta à merda decide finalmente publicar os poemas, em troca de dinheiro pago pela prostituta (ela queria homenagear o "morto"). Resultado? O cara vira um tremendo sucesso de vendas, e logo seus irmãozinhos, os mesmos que antes o relegaram, batem à porta do editor para exigir parte nos lucros. Ao escapar do hospital psiquiátrico, o poeta fica enojado com o que a obra dele havia se tornado: uma máquina de gerar lucro adorada pelo público em simulacros de cultos messiânicos. E o editor ainda tenta pagar para que os irmãos do poeta não o reconheçam quando ele reaparece, a fim de preservar a lucrativa aura do poeta defunto. Lembrei da Lygia Fagundes Telles que, em uma antiga entrevista no Roda-Viva, afirma que se pratica no Brasil a necrofilia (:"Vontade de exaltar o morto. Acho que é porque o morto não está mais competindo. Só pode ser isso."), pois os escritores (ela inclui Lispector nessa) só valem alguma coisa depois de mortos. Quem ousa dizer que ela está errada? Link aqui: X (formidável entrevista).

Pior é que o filme funciona, mais ou menos, como uma espécie de desabafo autobiográfico do próprio diretor (Guru Dutt, que inclusive interpreta o poeta), então cansado do público e dos estúdios que só se interessavam, respectivamente, por batidos filmes de entretenimento e pelo que representava lucro garantido.

Achei massa como esta cena lembra ligeiramente aquela no observatório do filme La La Land:


📓 Hoje pela manhã estive caminhando aqui pelo bairro, por umas ruas pelas quais não costumo passar - sempre as vejo somente de longe, através da janela do vagão do metrô - , e, durante uma fração de segundos, fui tomada pela perfeita sensação de estar viajando em uma cidade misteriosa. Acredito que isso ocorreu em decorrência da combinação relacionada a experiências que só costumam acontecer durante viagens: caminhada por espaços desconhecidos + cedo pela manhã + em pleno dia útil da semana. Talvez eu deva tentar fazer isso outras vezes.


📓 E esta porcaria de música me fazendo chorar no meio da rua, rasgando toda minha garganta?
É linda, esta merda. (Ludovico Einaudi, Golden Butterflies)

Trata-se de um criativo projeto do Einaudi: discos com músicas feitas especialmente para caminhadas. Um disco para cada dia de uma semana completa. Pronto, a trilha sonora para sair caminhando por aí está garantida.


📓 Outro fenômeno similar: quando bato o olho em alguém que, no vagão do metrô, está assistindo a alguma série de TV na tela do celular, sinto a real sensação, durante brevíssimo instante, de estar dentro de um avião. Super curioso. Creio que minha mente persiste vinculando mini-telas em espaços públicos, fechados e em movimento, somente a aviões. Deve ser coisa da idade.

* Começar a dizer “deve ser coisa da idade” = é coisa da idade. Já era.


📓 Curto bastante o som da banda Jungle, especialmente porque é perfeitinho pros meus passitchos (tem melodia e não é puro loop de bate-estaca) e os clipes deles têm coreografias mega legais, contudo nunca tinha batido a curiosidade de vê-los tocando ao vivo, de descobrir quem eram as pessoas atrás da música etc. Pois eles fizeram uma nova apresentação no canal KEXP (You Tube) e: o.susto.que.eu.tive. É toda uma aura hétero topster®. Méu Déus. (Reavaliando todas minhas preferências musicais.)
P.S.: dane-se, continuo gostando, sim. (menos, porém ainda gostando muito, pois a carne da dançarina é fraca.)


📓 (Persistindo com o Jungle:) Por outro lado, os caras me proporcionaram uma instigante epifania literária. Na música Cherry, eles mandam estes versinhos:
You never gonna change me
I was already changin'


Os quais trouxeram de volta à memória os belos versos da Ana Martins Marques sobre o mar:
à beira de um mar rigorosamente igual
a única coisa que não muda porque muda sempre

Então... Jungle + Ana Martins Marques = há um mar dentro de cada um de nós?!
Olha aí, talvez a banda não seja assim tão hétero topster®, vai?


📓 E durante os exames pré-operatórios, ainda me aparece um nódulo na tireoide. Haja resiliência.
Esta passagem escrita por Piglia, sobre a relação que estabelecemos com nossos corpos, está em plena harmonia com os sentimentos atuais:
"(...) meu corpo hostil: está aqui, sou eu (quem?), mas me é estranho e tem leis próprias, impõe-se, inexoravelmente, e marca a passagem do tempo de um modo que sempre vi nos outros (eles envelheciam por mim)."
                    - Ricardo Piglia, Os Diários de Emilio Renzi (Anos de Formação) (tradutor: Sérgio Molina)

Recordei que Thomas Mann, no livro A Montanha Mágica, também aborda o tema eu x meu corpo. Fui lá revisitar os trechos lindos e trago este:
Eu queria somente dizer que é uma coisa sinistra e penosa ver o corpo levar uma existência própria, independente da alma, e dar-se ares de importância, como no caso dessas palpitações sem motivo. E a gente se esforça por encontrar um sentido nessa coisa; procura-se a emoção indispensável, um sentimento de alegria ou de medo, que as justifique de certo modo - pelo menos eu faço isso, pois só posso falar de mim.
                                                                 - Thomas Mann; A Montanha Mágica (Tradutor: Herbert Caro) 


📓 Hoje foi dia de brincar de aquarela. Ficou uma bosta, mas o que vale é a paz de espírito durante e após umas horinhas pintando. Minha cena favorita do belo filme da Varda + JR.


📓 Há algumas semanas, comecei a ouvir um barulho inusitado vindo do apartamento acima do meu: patinhas de um cachorro (poderia ser um gato?!) que caminha pra lá e pra cá. O intrigante é que não escuto nenhum outro ruído proveniente do teto. O bichinho mora só? Trabalha e paga as contas? Já comecei a viajar na ideia para um conto. Qualquer dia desses, me apresentarei ao meu novo vizinho canino. 


📓 Tendo em mente que foi escrito pela Waller-Bridge, decidi me render ao hype de Killing Eve. Foi legal, me diverti, entretanto acho que estou bastante satisfeita apenas com uma temporada, obrigada. Não é que eu a tenha achado um lixo completo; é que aquilo exige doses de suspensão de descrença que ultrapassam minha capacidade, ainda mais para uma série que se sustenta em um único foco de conflito/tensão que não tem como se estender assim indefinidamente. Acredito que se ela se levasse menos a sério e efetivamente vestisse a camisa do exagero surreal, as coisas ficariam melhores (na minha opinião etc®).

O que me chamou muita atenção foi, claro, a grande personagem da série: o cabelo da Sandra Oh. Aquele cabelo merece de fato todas as homenagens possíveis. É lindo. Inclusive, me fez voltar aos 11-12 anos quando, de frente ao espelho e com sangue nos olhos, eu escovava as madeixas maldizendo cada um daqueles fios que, na época, muito se pareciam aos da Oh. Que coisa triste. Fico feliz que as coisas tenham mudado um pouco para as garotas. Apesar de que, na minha época (quando um pouco mais velha), bem que eu tive uma musa capilar para chamar de minha: (♪ô ê ô... ô ê ô ô...)
- Hair is everything, Anthony!


📓 Great state I’m in, in all states I’m in
I might final form in my melanin

Sampa The Great - Final Form (!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Car***o!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!)


📓 No livro do Piglia (Diários E. Renzi) esbarrei com:

(1) a citação de uma frase dita por Sade que talvez case bem com o filme Us, do Jordan Peele:
"A compaixão (...) é uma qualidade dos privilegiados."

(2) um trecho sobre a vida de pindaíba do escritor. Talvez seja a isso que Ordine se refira com o papo de uma literatura desvinculada do capitalismo:
"A chave para o artista é, digamos, refletir sobre a necessidade. Não necessitar de mais do que se tem para viver. Para esquecer "as necessidades", deve-se aprender a viver no presente."
(3) Katherine Anne Porter, a primeira autora mulher citada no livro - no meio de aproximadamente 50 autores homens diferentes mencionados -, após 322 páginas (de 377). Significa que, em dez anos, o cara só teria lido uma escritora. Desconcertante. (*Providenciarei a leitura da obra dela.)


📓 Lendo a newsletter do Noticing, descobri que 2019 é o ano em que comemoramos* o vigésimo aniversário do nascimento da palavra “blog”, cujo pai, aprendi, chama-se Peter Merholz. A letter linkou para um post de Merholz escrito em 2002, no qual ele comenta como cunhou a palavra, e o click me rendeu uma grata surpresa: o visual do site dele consegue ser mais tosqueira old-school do que a do meu! [* será que há mesmo alguém celebrando, além desta que ora escreve? (que ora escreve...que ora escreve...que ora escreve...)]

Naquela postagem, o pai da palavra faz um comentário fenomenal sobre sua filha:
I like that it's roughly onomatopoeic of vomiting. / 
Gosto como soa quase como uma onomatopeia para vômito.

Pois pronto: por enquanto, seguiremos vomitando na internet. Blóóóóóóóóóóóóóóóógggg


📓 E o Liam Gallagher respondendo perguntas do Google em um vídeo do You Tube:

- Why did Liam Gallagher leave?
- I didn't leave Oasis. Noel Gallagher left Oasis because he couldn't handle the rock 'n roll. Now he's going all cosmic pop. He couldn't handle it. 

Não faço a mais remota ideia do motivo que me faz ouvir, em 2019, o que o Liam Gallagher tem a dizer, mas fico contente por ter apertado play.

[P.S.: alguém ainda dá conta de rock 'n roll, senhor? é fascinante demais. virou uma caricatura de si próprio. *laughing in Damon Albarn language*]


📓 Joguei a toalha no ringue e fui lá ver John Wick 2. "Mas tem história, sim!" foi o que me disseram. Sei. 

O John Wick, cara, ele pode tudo. Ele é capaz de pular em um trampolim, pousar na lua e impedir que um meteoro atinja um poodle que passeia faceiro em uma calçada na Terra. Na falta de palavras, fico com as do próprio astro dessa obra-prima, Mr. Keanu Reeves: "But it's John Wick!" Então tá, Keanu.

E venho por meio deste blog reclamar que as locações brasileiras estão sendo injustamente esnobadas. Algumas ideias brilhantes que tive no rápido brainstorming comigo mesma:

1.  Rodoviária de Brasília > Onde está John Wick?
Já pensou, uma perseguição de busões? Poetic Cinema.

2. Na Pororoca, que sequer existe mais; porém dane-se: It's John Wick!

3. 25 de Março, véspera de Natal - Onde está John Wick?
Pô, iria diretaço pro catálogo da Criterion Collection.

4. No Cristo Redentor, homenageando Didi Mocó.
Uma perseguição em escalada, com o Rio ao fundo. Sublime.

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