23/10/2019

Here comes the sun, little darling

01
Em entrevista concedida a Stephen Colbert no começo deste mês, Thom Yorke falou algo (valendo-me das palavras de @livrisa:) que me trouxe reticências*. Comentando o título de seu novo disco solo - ANIMA -, ele expressou gostar da ideia de que todos nós temos pequenos animas que são enviados por aí, através de nossos black mirrors (celulares), para firmar comunicação. Só que  ainda conforme o querido músico — todos interpretam equivocadamente o que recebem, de modo que o pequeno anima retorna desfigurado e irreconhecível, feito bumerangue, direto na fuça do remetente (a metáfora é por minha conta). Na opinião de Yorke, é como se estivéssemos vivendo sob um estado de sonho bizarro, enquanto a realidade afasta-se em direção oposta. Provavelmente eu conseguiria vomitar um monte de trivialidades inspiradas nesse discurso, contudo pinçarei somente o ponto de partida do raciocínio dele, aquele relacionado ao ato de espalhar pela internet pequenos animas (sentido não estritamente junguiano, mas também "yorkiano" rs) de nós mesmos e de como eles são capazes de afetar o anima de alguém completamente desconhecido. [*: dentre os símbolos que adoto em minha marginália, constam justamente as reticências (uso bastante!); razão por que curti a expressão da Isabella Tramontina.]

Em abril deste ano, Luiza Pinheiro, autora da excelente newsletter Doses de Tiquira, enviou a cartinha #56, na qual ela narra o feriado de semana santa que desfrutara na praia de Campeche, em Florianópolis. O texto é lindo, super bem escrito, e me tocou profundamente, em especial os trechos em que ela reflete a respeito da experiência de ser uma mulher viajando sozinha pra praia, sem grandes planejamentos, apenas a fim de curtir um pouco de sol, mar e sossego. Embora me considere expert na arte de fazer coisas sozinha, ir só à praia, sobretudo a uma praia não urbana, continuava representando uma fronteira a ser ultrapassada, e sinto que a cartinha da Luiza Pinheiro me ofertou a dose de anima que me faltava. Em outubro deste ano, após seis anos em que períodos de férias foram gastos trancada sozinha em um apartamento, arrumei mala e cuia para passar pouco mais de uma semana na praia. Foram dias muito, muito felizes em que revi o mar e durante os quais - para resgatar meu último alinhavo - diversos animais concederam-me o privilégio de poder observá-los: tartarugas marinhas, tubarões (adulto e filhote!♥), golfinhos, aves marinhas, polvos, arraias, peixinhos multicoloridos, siris, moreia, lagartixas... Por volta do terceiro dia, admito que bateu uma desolação quando me olhei no espelho e constatei que as sardas se multiplicavam e os melasmas se expandiam por conta de toda aquela danação sob o sol. Esse sentimento, entretanto, morreu quando minha piegas poeta interior me informou que cada novo pigmento de melanina representava um segundo da alegria que eu estava sentindo naquelas férias. Em meu rosto, desenhava-se um mapa de instantes pessoais de felicidade. #poetei💩

Agradeço à Luiza Pinheiro (pessoa que sequer conheço, com quem sequer me comunico diretamente) o tantinho de anima recebido que permitiu eliminar de minha visão a barreira "proibido viajar sozinha para praias". Foi uma experiência que reforçou a intenção de lançar nesse blog-diarinho pedacinhos de meu anima que, com alguma sorte, possam afetar positivamente o anima de alguém. Não; mais fácil melhor: simplesmente manter o bumerangue no ar; relançando, na forma de relatos de gratidão, os pequenos e generosos animas que chegam até mim.

02

O autoficções #03 incluiu entradas em que devaneei sobre o medo despertado pelo mar, alinhavando Claire Denis, Don Delillo e Hugo Von Hofmannsthal. Pois dia desses decidi finalmente travar contato com a escrita do David Foster Wallace e é claro que escolhi começar pelo famosão ensaio sobre cruzeiros (*por sinal, ganhou uma nova dimensão depois da série Succession. Quem viu, sabe a que me refiro). Nessa leitura, me admirei quando Foster Wallace revelou sentir real pavor do mar. Ele retoma os argumentos que eu já tinha citado com a ajuda daqueles artistas (em destaque: o mar nos faz confrontar nossa mortalidade e insignificância), porém acrescenta outro estupendo: a relação entre o efeito corrosivo do mar (pela maresia, salinidade etc) e nosso envelhecimento; nosso próprio processo de corrosão progressiva, digamos, rumo à morte. E Wallace completa a reflexão com a fascinante contribuição da obra Moby-Dick, do Melville (ainda não li; fuén). Insiro a passagem (grifos meus; tradução: Daniel Galera e Daniel Pellizzari):
"(...) eu senti desespero. (...) uma mistura simples — um estranho anseio pela morte combinado com um sentimento esmagador da minha pequenez e da minha futilidade, que se apresenta como um medo da morte. Talvez seja algo próximo daquilo que as pessoas chamam de pavor ou angústia. Mas é bem outra coisa. É como desejar morrer para escapar da sensação insuportável de compreender que sou pequeno e fraco e egoísta e que sem a menor dúvida vou morrer. É querer se atirar do navio. (...) Eu, que antes desse cruzeiro nunca estivera no oceano, sempre associei o oceano com pavor e morte. (...) Na escola, acabei escrevendo três trabalhos diferentes sobre o trecho “O Náufrago” de Moby Dick, o capítulo em que o grumete Pip cai no mar e enlouquece por conta da imensidão vazia onde se vê flutuando. (...) E o próprio oceano (que descobri ser salgado como o inferno, salgado como gargarejo para aliviar dores de garganta, com borrifos tão corrosivos que a armação dos meus óculos provavelmente terá de ser trocada) é em essência um enorme mecanismo de decomposição. (...) Mas num Cruzeiro de Luxo 7nc somos envolvidos com destreza na construção de fantasias variadas de triunfo sobre essa morte e essa decomposição."
    - David Foster Wallace, Uma coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer.

Persisto no papo sobre o medo do mar não apenas pelas novas reverberações obtidas com David Foster Wallace, mas principalmente porque descobri, nessas férias, que eu mesma tenho mais medo do mar do que supunha. Sério; logo que lá cheguei, me caguei de medo de entrar na água. - E se uma corrente me arrastar? E se um tubarão me morder? Uma moreia?! E se eu pisar numa arraia? E se eu encostar numa água-viva? E SE EU MORRER? O que me ajudou a dominar o pânico foi o anima de um mergulhador chamado - que rufem os tambores - Matrix! O mergulho guiado (de snorkel) equivaleu a tomar a pílula vermelha (ou seria a azul?). Continuei medrosa, entretanto com um medo apenas respeitoso (bem sabemos que o mar exige respeito) e menos infantil, diria. Muito obrigada, Matrix. Daqui, devolvo novamente bons animas pra você.

P.S.: depois de tanto pensar no mar, percebi que é hora de sacar da estante a coletânea de poemas da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. O Coral e outros poemas saiu do plástico e, no momento, repousa sobre a cabeceira, ou seja, o mar seguirá molhando os posts do bloguinho. 🌊 (*E como é triste pensar nas últimas notícias do que ocorre na costa do Nordeste.)

03

Acho engraçada a parte em que, naquela newsletter, Luiza ressalta que a decisão de ir sozinha à praia não envolveu algum grande propósito, a resolução de alguma questão ou a necessidade de repensar algum aspecto da vida; pois receio que meu caso teve, sim, um tantinho desses clichês. Conforme adiantei no autoficções #01, em agosto me submeti novamente ao bisturi do cirurgião (sem intercorrências, pós-operatório tranquilo), de maneira que, se o pó me lançou ao mundo com "x" órgãos, ele terá de se contentar em me ter de volta com "x-2". Parcelei meu retorno, e ~é estranho~. A primeira versão deste post continha maiores detalhes (melodramáticos), porém a cafonice e o #TMI me fizeram apagá-la. É hora de substituir o anima de novela mexicana pelo anima da grande filósofa Mary J. Blige:

Let's get it crunk upon
Have fun upon up in this dancery

(...)
'Cause we celebrating 
No More Drama in our life

No mais, ousaria confessar que, durante a viagem, rolou a sensação de protagonizar um daqueles contos "praianos" da Lucia Berlin (coletânea Manual da Faxineira, tradução: Sonia Moreira), nos quais mulheres solitárias e infelizes recorrem a um tempo na praia para uma espécie de... recalibragem? reconfiguração? cicatrização? luto? Não sei. No entanto sei que, no conto Toda Luna, todoaño e no Dor, a autora americana conseguiu fazer o clichê "retiro na praia para repensar a vida" funcionar. De volta ao lar, reli os dois contos e me encantei ainda mais com o uso do mergulho como experiência catártica para as protagonistas de Berlin. Não, não transei embaixo d'água com um mergulhador gostosão (ah, como a ficção é mais legal do que a vida real), porém agora sei exatamente do que a Berlin fala, quando ela fala de mergulho no mar*: (grifos meus):
"O peso desapareceu. Não só o peso do tanque, mas também do seu próprio corpo. Ela estava invisível. Batia os pés, usando pés de pato pela primeira vez, planando pela água. Por causa do bocal, ela não podia rir nem gritar. (...) Ela continuou voando,
(...)
Sem peso, você perde a si mesmo como ponto de referência, perde seu lugar no tempo. (...)
No mar alto, duas tartarugas verde-escuras acasalavam, flutuando nas ondas. (...)
O que ela ia fazer quando voltasse para casa?"
                                                                               - Lucia Berlin, Toda Luna, todoaño 

*E olha que só mergulhei de máscara + snorkel. (Infelizmente, meu histórico clínico contraindica o mergulho de cilindro.) O objetivo da ressalva é anima(r) qualquer mergulho, caso surja qualquer tipo de oportunidade.

04
Durante estas férias, o livro Deixa Comigo, do uruguaio Mario Levrero (Tradução: Joca Reiners Terron) me fez companhia, e me surpreendeu encontrar nele a tangente abordagem da temática "viagens". Logo no início, o narrador de Levrero diz algo curioso relacionado aos sentimentos pré-viagem:
"(...) essa angústia habitual (...) mistura de temor ao desconhecido com uma nostalgia antecipada pelas coisas e espaços de minha casa."
                                      - Mario Levrero, Deixa Comigo.

Eu me identifiquei com essa mistura doida de sentimentos, e costumeiramente é uma luta árdua impedir que a referida angústia leve a melhor e me mantenha presa à teia de aranha. A propósito, foi por um bem-vindo acaso que, dias depois de ler a prosa de Levrero sobre as teias de aranha, a @casatorquato (delicado perfil do instagram + youtube, uma @ distribuidora de bons animas) me mostrou essa foto linda de teias na natureza. A família Torquato, Levrero e eu estamos com os animas sincronizados. 🕷🕸 

05
Nesse livro do Levrero, o mencionado fotógrafo capaz de captar a beleza das teias de aranha é encarado, pelas pessoas da cidade em que morava, como uma figura excêntrica. Sobre ele, um morador comenta (grifos meus):
"(...) um tipo estranho, mais ou menos da tua idade, que sempre anda sozinho por aí, sentado na praça, às vezes o vejo agachado olhando uma plantinha, não sei, essas coisas. Às vezes inclusive tira fotos, mas não de paisagem nem de gente, e sim de paredes descascadas, coisas assim, entende? Não sei se alguma vez escreveu algo, mas tem o tipo, percebe?"
                                                                    - Mario Levrero, Deixa Comigo.

Matutei que talvez esse seja o motivo por que morro de vergonha de sacar o celular da bolsa, no meio da rua, para tirar fotos de coisas que me sensibilizam. Caramba, foi durante essas férias na praia que, pela primeira vez, arrisquei tirar selfie em público. Na realidade, há pouco fui empurrada por outro ótimo distribuidor de animas inspiradores. Em um post de setembro, Austin Kleon compartilhou fotos em que ele captura a imagem da lua naquelas primeiras horas da manhã, e fiquei mega empolgada, dado que, por sair bem cedo pra trabalhar, eu própria estava avistando a lua toda bonitona nas manhãzinhas, porém sem coragem de tirar foto. Com o anima do Kleon, superei o constrangimento e agora tenho a lua da manhã comigo:


06
Tirei boas sonecas embalada pelo barulhinho gostoso do mar - ASMR da natureza -, mas a água da chuva também canta um sonzinho melodioso. Leituras recentes me mostraram que Florbela Espanca e Roberto Arlt percebem o chamado à dança feito pela chuva (e também pelo mar). 

07
No meu álbum anexado no topo deste post, incluí uma frase do Larry David na série Curb Your Enthusiasm: "Não se pode nem sair de casa". Cabe, aqui, explicar o cômico contexto (para que eu, no futuro, não esqueça). Naquele episódio, Larry sai pra jantar com sua esposa Cheryl e, no restaurante, encontra ao acaso um amigo. Ele se empolga, troca conversa fiada com desenvoltura etc. No entanto, quando Larry volta para sentar-se à própria mesa, Cheryl o repreende por ele não ter cumprimentado a esposa do amigo. Larry papeou com o coleguinha como se a respectiva esposa não estivesse ali, ignorando-a completamente. A câmera aproveita a deixa para alternar closes da cara da desdenhada, que ri ironicamente, ao mesmo tempo que fuzila Larry com olhares oblíquos. Larry sente-se péssimo (afinal, além da bola fora social cometida, Larry é o George Constanza, o que significa dizer que, todo mundo tem que gostar dele), o jantar resta arruinado e ele solta o aforismo máximo: Não se pode nem sair de casa. A reação bebe um pouco da fonte sartriana "o inferno são os outros", né? É embaraçoso confessar, porém simpatizo com o bobalhão (intersocial) Larry. Tivesse ocorrido comigo, sei que ruminaria o faux pas social durante um mês, pelo menos. Para evitar esse tipo de coisa, o que a gente faz? Fica em casa. Fica preso na teia de aranha. Não tira foto. Spoiler: fica no subsolo? ↷

Puxarei a filosofia do Larry David para alinhavar dois livros lidos recentemente: Normal People, da Sally Rooney e Memórias do Subsolo, do Dostoiévski.

Calma, calma. Ok, em princípio são obras díspares, contudo há ao menos uma coisinha que as une. Acho. É o seguinte: o personagem narrador do Dostô e o protagonista da Rooney não conseguem livrar-se do sentimento "o inferno são os outros". Tal qual Larry David/George Constanza, o irlandês do século XXI e o russo do século XIX vivem presos à crença de que, sim, todo mundo precisa gostar deles; caso contrário, é melhor ficar no subsolo, é melhor nem sair de casa, é melhor não revelar publicamente o namoro, é melhor desistir das ambições acadêmicas, é melhor... Apesar da identificação vexatória, a leitura ofereceu o precioso ensejo para pensar o "problema" (?) mediante saudável distanciamento - quando leio, o problema não está comigo, está com a personagem; o que torna as coisas relativamente simples e nítidas. Enquanto estive enforcada nesse nó de marinheiro russo-irlandês, uma imagem ficou persistentemente piscando na minha mente, digo, outra fala de personagem de série de TV. Refiro-me a esta aqui, dita por Don Draper em Mad Men:

Na cena, um ex-funcionário da agência diz na lata uns impropérios sobre o Don, soltando tudo o que pensa a respeito do grande publicitário que, de seu lado, replica com a frase icônica: eu sequer penso em você. Pois quanto mais eu me apoquentava com o sofrimento das personagens da Rooney e do Dostoiévski, mais sentia vontade de chacoalhá-las: "Parem com isso, rapazes; essa aflição neurótica não vale a pena. A verdade é que os outros estão se lixando pra vocês. Sigam o exemplo de Don Draper, seus tontos — que, aliás, sequer pensa em vocês!" A própria narrativa da Rooney contém uma evidência: SPOILER!!!! > posteriormente, o moço descobre que toda a escola já sabia do namoro que ele julgava esconder e - adivinhe só? - ninguém.se.importava. Até o conto da Lucia Berlin flerta com o mesmíssimo tema:
"Eu me sinto tão nua. Tenho a impressão de que todo mundo está vendo as minhas cicatrizes."
"Sabe uma coisa que eu aprendi? A maioria das pessoas não repara em absolutamente nada ou, se repara, não dá a mínima."
"Você é tão cínica."                                                   
  
                       - Lucia Berlin; Dor.
Saí dos desvarios propostos pelas duas leituras com a conclusão (óbvia, reconheço) de que é ilógico estressar-se com a opinião de um outro que, na real, nem está pensando em você; ou, quando o faz, é frequentemente mal, não importa o que você faça. Talvez o ideal seja alcançar o meio termo entre as filosofias Larry David-Don Draper?! (*Pausa*: juntando os miolinhos do chão, depois que minha mente explodiu imaginando um combo entre os dois sujeitos.) Julgarão esquisito que eu esteja viajando sozinha pra praia? Tirando foto da lua pela manhã? É justo. Eu, do lado de cá, me esforçarei para não pensar nisso. Voilà. Por que eu deveria me alimentar de anima negativo? (Falar x Fazer... etc etc.)

08
Outro alinhavo divertido que andei estabelecendo é entre Dostoiévski e Machado de Assis:

Quanto mais minha leitura de Memórias do Subsolo avançava, mais impressionada eu ficava com os elementos que a obra compartilha com Memórias Póstumas de Brás Cubas. A dada altura a coisa estava tão gritante, que apostei como certa a existência de artigos acadêmicos abordando os paralelos; o que, de fato, procede. Dentre os trabalhos localizados no google, destaco o artigo escrito por Elis Regina Basso, publicado em 2015 na revista Travessias (link aqui), pois ela faz um estudo bem estruturado, listando cada um dos pontos em comum.

Decidi acrescentar esse alinhavo neste post porque, a despeito das diversas semelhanças entre os dois livros, identifiquei uma hilária diferença entre o personagem russo e o brasileiro, a qual dialoga bem com minha entrada anterior número 07 ⤴. Assim como o "homem-rato" (termo adotado por Nabokov) de Dostoiévski, Brás Cubas tem consciência de ser uma pessoa tosca e insignificante, no entanto isso não é suficiente para que ele recolha a dita insignificância ao subsolo. Por deus, nem depois de morto ele aceita o subsolo (!), pois tá lá insistindo em encher nossos pacovás com seu memento de puro papo furado. Em termos chulos: Brás Cubas está cagando. Brás Cubas sairá de casa sim, tirará foto da lua sim e não pensará em ninguém. Presumo que o estudo comparativo dessas duas personagens possa desvendar um pouco do que significa ser brasileiro. Será? Sei lá, mas fica o registro da hipótese.

09

Na praia, também consegui começar a leitura do livro As pequenas virtudes, escrito por Natalia Ginzburg (Tradução: Maurício Santana Dias). Por enquanto, li apenas o ensaio O meu ofício, no qual a italiana discorre a respeito de sua relação com a escrita. Visto que eu já tinha comentado no blog que me interesso demais em entender o que atrai as pessoas à escrita, é compreensível que eu tenha sido prontamente fisgada pelo atrativo título da italiana. Além do mais, uma vez que muitos animas chegam até mim através de textos, julguei por bem alinhavar esse ensaio na presente postagem.

Embora O meu ofício permita devanear sobre uma porção de coisas, quero me ater, por enquanto, ao recorrente sentimento de felicidade que a autora diz acometê-la quando escreve.
"Tinha escrito meu conto (...) e me sentira feliz como jamais acontecera em minha vida, repleta de pensamentos e de palavras." 
                                                                        - Natalia Ginzburg; O meu ofício.
Ginzburg menciona que, ao escrever, tudo se distancia e some, e ela está só com sua página; nenhuma felicidade pode subsistir se não estiver estritamente ligada a essa página. Isso me fez lembrar de algo correlato (e singelo) dito por Drauzio Varella em uma antiga entrevista cedida ao Publishnews (link aqui). Ali, o autor comenta sobre a sensação de felicidade que ele obtém sozinho naquele momento mágico em que escreve e sente que o troço ficou bom. Colo a transcrição:

No dia do escritor, a editora Martin Claret publicou no Instagram esta frase da Virginia Woolf: "Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial." Tal assertiva despertou a crítica de uma seguidora que defendia a importância de ser lido, pois, do contrário, bastaria falar. Hoje, acredito que o ensaio de Ginzburg e a resposta de Varella dissipariam a ligeira confusão que se estabeleceu na troca daqueles animas. Ora, se eu mesma, uma tonta que só escreve tonterías em um blog lido por ninguém, experimento um puro contentamento ao terminar um post, imagine então o que se passa no íntimo dos grandes escritores quando escrevem. A própria Ginzburg diz não saber nada do valor daquilo que escreve, entretanto isso não sobrepuja a felicidade advinda de seu ofício. 

Elaborei a teoria (estapafúrdia?) de que talvez um pouquinho dessa felicidade surgida no momento em que um texto é escrito seja transmitida, sob a forma de anima, para o leitor. Se bobear, é a chave do enigma das divergentes respostas provocadas por um único livro: se apaixonam pela obra aqueles que são tomados pela felicidade originada no instante de sua criação. #Poetei de novo?💩

10
Na despedida, a dona do albergue desejou que eu retornasse e que, da próxima vez, eu fosse com amigas. Também espero o mesmo. Entretanto, caso companhias não sejam possíveis, não deixarei que isso impeça meu retorno; afinal não há anima mais vigoroso do que aquele que a natureza nos presenteia, certo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário