Já que ímpetos nostálgicos parecem ser outra faceta deste prolongado período de isolamento e distanciamento sociais, tenho de admitir, embora me desagrade, que este post acaba sendo um novo episódio da imprevista e desnecessária antologia Crônicas da Pandemia. ~Pelo menos~, não tentarei fazer (pseudo-)poesia investida na busca obstinada de significados profundos. Ajuda, não? Ok; indo direto ao ponto: estou revendo Buffy, The Vampire Slayer. Na data em que escrevo, terminei de rever as quatro primeiras temporadas, de modo que este post restringe-se a elas. Como não pretendia documentar essa experiência no blog, não fiz anotações enquanto assistia aos episódios; portanto apenas puxarei da memória as breves impressões mais marcantes e, claro, inúteis.
(1) Estou seguindo à risca o clima de nostalgia, pois revejo a série usando o velho box de dvd's que segue ao meu lado mesmo após duas mudanças interestaduais > quem já fez mudança interestadual reconhecerá que maior prova de amor não há; sobretudo porque tive de carregar o único aparelho que toca a região 01 (de onde veio o box). Vergonhosamente, esta é a primeira vez que coloco todos esses dvd's pra rodar (depois de... 15 anos de aquisição? *meu deus*); e estou achando legal rever nesse formato, pois ganham-se ares meio ritualísticos: a hora é marcada (quando encerro o trabalho feito de casa), travesseiros são carregados pro sofá, o folhetinho do box é usado como guia na sequência de episódios... Entretanto, foi aborrecido descobrir que um dvd veio com defeito e não roda por nada. Nem tudo é glamour nesse papo nostálgico.
(2) Esta deve ter sido a frase mais entoada por mim, durante a primeira temporada: - meu deus, isso tem mais de 20 anos?! Onde foi parar todo esse tempo?! Mas, mas... não foi ontem?! Aliás, quando caí de paraquedas numa entrevista recente (em tempos de pandemia®) do David Boreanaz, vesti a carapuça (de caimento perfeito) do meme "Feeling Old Yet?" ↷
Se ele está assim, e eu?! hahahahahahahahahahahahaahahaha😢
- Yes, I'm feeling old, ok? Happy?
(3) Por falar em feeling old, outra frase que desembuchei com certa frequência foi a inesperada:
"AGEISM!!!!!!" [Como traduziram pro português?! Velhofobia? Idosofobia? Gerofobia? *o horror.*] As piadas com o pobre Giles, especialmente na quarta temporada, são terríveis demais. O cara 1. não pode transar, pois: "Ew!", 2. não pode tocar violão no bar, pois é crise de meia-idade, 3. não pode andar com jovens, pois é coisa de loser; enfim, tudo que ele faz "fora da curva normal" é considerado asqueroso pela gangue. O episódio em que ele acorda um demônio e toma um susto quando se vê no espelho é a metáfora perfeita do que tenho passado revendo essa série. "- Sou uma demônia velhaca! Que puxa." Talvez, só talvez, eu não precisasse disso neste momento.
I feel you, Giles.
(4) Outra: descobri, lamentavelmente, que a velhice complicou-me a vida para os momentos em que preciso firmar o pacto ficcional. Explico: um marmanjo de 241 anos se apaixonando à primeira vista por uma garota de 15 anos? Olha, foi um bocadinho trabalhoso de engolir em 2020. Essa reação causou-me bastante espanto, pois, visto que fui uma manceba tonta (não que eu tenha virado uma matrona esperta, veja bem), é óbvio que o ship Buffy&Angel foi a primeira coisa que me fisgou na série. Nesta revisão, o que me irritou foi relembrar que é o Angel que começa a parada, todo cheio de galanteios e charminhos pra cima da Slayer que, puxa vida, estava super de boas no canto dela. Depois, o vampirão mala vem com o papinho de arrependido "~ãin, é errado; não posso, Buffy. adeus~". Se ele sempre esteve ciente disso (ou deveria estar); por que começou?! Ah, vá se lascar, Angel. E quer saber? Ele nem é tão bonito assim. Pronto, falei. Agora me questiono se, desta vez, embarcarei no ship Buffy&Spike, o qual sempre julguei um tanto lastimável, por mais que eu adore a personagem.
E aproveitando a deixa: como o Boreanaz atua mal, né? Por (muitas) vezes, é mega constrangedor de assistir. Ao lado dele, a Gellar é a própria Meryl Streep. Creio que não percebi isso, quando jovem. No entanto, a atriz que interpreta a Tara consegue ser pior do que ele; é surpreendente.
(5) Embora a série tenha envelhecido relativamente bem (*acho*; mas tenho ouvido uns comentários tão peculiares sobre séries antigas, que não entendo mais nada), resta evidente que, caso tivesse sido concebida hoje, muita coisa seria diferente; com toda certeza. Por exemplo: 1. é quase certo que a jovem Sarah Michelle Gellar não teria a menor chance de ser escalada para o papel principal; 2. Kendra não teria morrido tão cedo, daquele jeito tão estúpido (que desperdício de personagem); 3. o a watcher provavelmente seria uma mulher (o grilo falante está me soprando esta: Ru Paul de watcher?! haha), 4. Xander não existiria (o sonho!), 5. em 2020, seria difícil acreditar que a caçadora levaria três anos para dar-se conta de que nada a obrigava a seguir ordens de um Conselho de britânicos, 6. a boca do inferno não ficaria embaixo da biblioteca da escola (ficaria em Silicon Valley?), 7. o Google solucionaria todos os mistérios? 8. Zuckerberg seria o "there's a demon in the internet"?! Por recomendação do departamento jurídico, encerro esse assunto aqui.
(6) Quando vi a série pela primeira vez, não lembro de ter ficado tão impressionada com a quantidade de jovens de Sunnydale High que perdem a vida. Tipo, não paro de imaginar como seria abrir o locker do colégio, e o corpo duro e frio de um coleguinha de sala cair em cima de mim. Na festa de graduação, o aluno orador comemora que, graças à Buffy, aquela era a turma com menor índice de mortalidade de todos os tempos — que maluquice!! Inclusive, suspeito de que rolou uma decisão deliberada para pegar mais leve nas mortes, as quais reduzem consideravelmente a partir da terceira temporada. Suponho que minha nova reação também seja efeito da idade, pois a morte deixou de ser aquela abstração longínqua e distante, mesmo porque 1. já passeei desacordada, pela cidade, dentro de uma ambulância do SAMU (eternamente agradecida pelo trabalho incrível desses profissionais) e 2. estamos vivendo uma pandemia que, nesta data, matou mais de 180 mil brasileiros.
(7) Quero saber quando Elena Ferrante assumirá que a terceira temporada de Buffy, The Vampire Slayer serviu de inspiração para a Tetralogia Napolitana.E aí, dona Ferrante?
Lenu e Lila, as caçadoras de vampiros.
(8) PEDRO PASCAL FEZ UMA PONTA EM BUFFY!!!!!! AAAHHHHH! Quando o reconheci, dei um duplo twist carpado no sofá, tamanho o susto. Ele interpreta um universitário fã do livro Of Human Bondage*, do Somerset Maugham e, coitado, é transformado num vampiro. (*li há um tempão, mas Mildred Rogers é uma personagem que não larga o pé do leitor) Quando bater aquele desespero patrocinado pela Sonhos Destruídos S.A., terei em mente este grande exemplo: num dia, você é o reles figurante de uma série (então) pouco aclamada; no outro, o protagonista de uma série de sucesso da Disney. Tudo pode ser, só basta acreditar. - Xuxa Meneguel
(9) Ah, também reparei que, a cada nova temporada, Sarah perde uns, chuto, seis quilos; curioso. Outra coisa que chama atenção é o estilo da Buffy, o qual muda bastante ao longo da série > óbvio, pois acompanha as modas do tempo e o amadurecimento da personagem. Disparadamente, prefiro o estilo dela na segunda temporada e detesto o que fizeram na terceira > talvez a proximidade do (não-)bug do milênio tenha fritado nosso senso estético daquela época.
(10) Sei que me arrependerei, porém vou arriscar uma listinha com os 10 episódios favoritos dessas quatro temporadas revistas:
S01E10 - Nightmares
S02E03 - School Hard
S02E06 - Halloween (pode ser meio bobo, mas amo esse ep.)
S02E09/10 - What's my line? (são duas partes, então contarei como um ep., dane-se)
S03E09 - The Wish
S03E12 - Helpless
S03E18 - Earshot
S04E02 - Living Conditions (outro meio bobo, mas que amo demais)
S04E12 - A New Man
S04E21 - Primeval
**sem acreditar que, hoje, tô de boas por não incluir nessa lista Surprise, Innocence e as duas partes de Becoming, ainda que continue os adorando fervorosamente.
(11) As próximas temporadas (S05, 06, 07) são praticamente um mistério pra mim, dado que jamais revi nenhum de seus episódios. (Ora, nem do tal chip do Spike eu me lembrava, pra ser honesta.) Animada para o que me aguarda — contudo serei forçada a fazer uma pausa, porque 2021 começará com uma chatinha mudança de apartamento.
Riley:You'd find some other way. You're really strong; like Spider-Man strong. And you're in charge. You make the plan, execute the plan. No one gives you orders.
Estava de boas revendo Buffy (pretendo incluir um breve post sobre a experiência de rever a série, tantos anos depois), quando a querida slayer me aparece mandando altas análises sobre Othello (ok; ela estava trapaceando, mas quem liga?), e simplesmente boiei, pois nunca li/vi a peça. Isso é inaceitável; portanto voltemos ao Bardo, para remediar essa palhaçada. Adotarei a forma de registro na qual anoto minhas impressões à medida que a leitura progride. Um texto reação?! Bora!
ATO I
CENA I
➽ Mal comecei, isto é dito a respeito de Othello: (↣ "the thick-lips" = "o beiçudo"):
you'll have your daughter cover'd with a Barbary
horse; you have your nephews neigh to you
E pensar que cheguei a aventar a possibilidade de que uma tal abordagem do racismo nessa peça resultasse de interpretação contemporânea forçada.
➽ Duas falas despontam como chaves potenciais de um hipotético tema central (destacarei em vermelho os trechos que considero chave):
Iago:"I am not what I am"*
Brabantio:"Fathers, from hence trust not your daughters' minds
By what you see them act.-
Viajaremos pelas veredas do 'quem vê cara, não vê coração', aparentemente. Entendi - acho.
* = Que fala incrível, por sinal. Deixe-me refletir por um instante. > Se não sou o que sou, o que ~diabos~ sou? Sou o que o outro queira que eu seja? Sou o que for mais vantajoso em determinada circunstância? Ou não sou; ponto final? (...) E se Deus diz "Eu sou o que sou", enquanto Iago diz "Eu não sou o que sou", posso concluir, pela oposição estabelecida, queIago é o Diabo?!EITA!
CENA II
➽ They draw their swords >> Minha parte favorita sempre; YAY!
➽ Damned as thou art, thou hast enchanted her! For I’ll refer me to all things of sense, If she in chains of magic were not bound, Whether a maid so tender, fair, and happy, So opposite to marriage that she shunned The wealthy curlèd darlings of our nation,
O pai de Desdemona acusa Othello de feitiçaria, pois se a filha se apaixona pelo negro, só pode ter sido obra de vudu, macumba, magia negra... - o velho (mais velho do que eu supunha, pelo visto) preconceito religioso? Será? Anacrônico?
Entretanto há uma informação interessante aqui: Desdemona, até então, não queria saber de casamento e já tinha esnobado um punhado de pretendentes, dentre eles o Roderigo. Estou curiosa para saber mais dessa Desdemona, sobretudo porque, por enquanto, a construção da personagem se faz apenas mediante a fala dos homens, digo, os homens falam por ela.
➽ OTHELLO
But that I love the gentle Desdemona,
I would not my unhousèd free condition Put into circumscription and confine For the sea’s worth.
Othello relaciona casamento à perda de liberdade, fixando-o como a prova cabal do amor > quem ama está disposto a abrir mão da liberdade, portanto disposto a se casar. Não boto fé nisso, Othello.
CENA III
➽ Fui surpreendida, pois o Bardo traz o tal quem vê cara, não vê coração até para o contexto da tática de guerra! Dá para julgar as intenções do inimigo, a partir de suas movimentações aparentes? Ora, ora.
➽ BRABANTIO
My daughter! Oh, my daughter! ALL
Dead?
É pior do que ter morrido, pessoal: a filha se casou com um negro. Quer dizer, acho que é esse o problema para Brabantio.
➽ I do beseech you, Send for the lady to the Sagittary And let her speak of me before her father.
É o que eu acabei de escrever: a mulher não fala? Boa, Othello.
➽ Opa, então Othello realmente enfeitiçou Desdemona; mas não com poções mágicas, e sim com histórias, com narrativas! Rá, Desdemona é a mulher que se apaixona pelo contador de histórias. Shakespeare bancando o Gary Stu, veja só. Isso me trouxe à memória o lindo filme Asas do Desejo, do Wim Wenders: "Tell me of the men, women, and children who will look for me - me, their storyteller, their bard, their choirmaster - because they need me more than anything in the world. We have embarked.
She wished she had not heard it, yet she wished That heaven had made her such a man.
Por outro lado, parece que Desdemona tem um pouco de Dorothea Brooks (Middlemarch - que saudades de você, Dodo!) - digo, seria o contrário, já que Desdemona chegou primeiro, né? Enfim; na impossibilidade de viver grandes aventuras, visto que são mulheres, elas as vivem através das histórias vividas e contadas pelo homem com quem se casam.
She loved me for the dangers I had passed, And I loved her that she did pity them. This only is the witchcraft I have used.
➽ Hoje, a gente diz "Pimenta no cu dos outros é refresco", mas no século XVII a galera dizia:
"He bears the sentence well that nothing bears But the free comfort which from thence he hears."
And I think it's beautiful.
➽ O duque tá praticamente falando: "PQP; os turcos tão aí batendo na porta, seus putos; eu caguei para onde essa mulher vai ficar." haha Perdão; é que, para uma tonta feito eu, o subtexto das peças do Shakespeare é a melhor parte.
➽ Duke: If virtue no delighted beauty lack, Your son-in-law is far more fair than black.
Quem diria que é possível elogiar uma pessoa e, no processo, bancar o racista, hein? Não há limites para a proeza humana.
➽ BRABANTIO Look to her, Moor, if thou hast eyes to see. She has deceived her father, and may thee.
Em "bom português": - Tu fica esperto, Otão, qui'ssaí é duas cara, mêrmão. Pô, será que eu não poderia ganhar uma grana adaptando as peças do Shakespeare para o português moderno, o português vivo, suingado? Nah, outro tonto deve ter chegado antes de mim, certeza.
➽ IAGO:
Tis in ourselves that we are thus or thus. Our bodies are our gardens, to the which our wills are gardeners. (...) the power and corrigible authority of this lies in our wills. If the balance of our lives had not one scale of reason to poise another of sensuality, the blood and baseness of our natures would conduct us to most prepost'rous conclusions. But we have reason to cool our raging motions, our carnal stings, our unbitted lusts.
Outra fala crucial, na continuidade do discurso acerca de identidade, de quem somos e como agimos. Nessa peça, parece-me que Shakespeare refutará a ideia de uma natureza humana que escapa de nosso controle, a fim de afirmar que somos responsáveis por nossos próprios atos, sentimentos; responsáveis por quem somos e como agimos. Até onde eu me lembre (posso estar errada), a narrativa de King Lear defendia o contrário, digo, defendia (até certo ponto) que há uma natureza soberana que nos governaria para além de nosso controle. Mas talvez esse seja o pulo do gato, nessa fala de Iago: ele é um fdp que age como um fdp; essa é a natureza dele. Bom, acompanhemos o desenrolar dessa treta.
ATO II
CENA I
➽ IAGO Come on, come on. You are pictures out of door, bells in your parlors, wild-cats in your kitchens, saints in your injuries, devils being offended, players in your housewifery, and housewives in your beds.
E segue o barco de que as mulheres, no que se refere a tipos duas caras, são a pior raça. Não é legal que isso seja dito justamente por Iago? Não dá pra ficar mais óbvio que isso.
➽ Interessante ver que, para seguir em frente com seu ~plano maquiavélico~, Iago inventa (e força-se a acreditar) a fantasia de que sua esposa o traiu com Othello e Cassio - um motivo mais honrado, digamos, que ele concede a si mesmo. Quem sabe exista uma fagulha moral dentro dele, ainda que seja menor que uma semente de morango. Por ora, pelo menos, é a leitura que faço dessa peculiar informação.
CENA III
➽ CASSIO
O thou invisible spirit of wine, if thou hast no name to be known by, let us call thee devil! God, that men should put an enemy in their mouths to steal aay their brains!
Cassio se lasca por causa de álcool, a grande arma secreta do vilãozão Iago. Francamente, pessoal. Bem que eu escrevi no blog, dia desses, que esse negócio de álcool não tá com nada.
➽CASSIO
Reputation, reputation, reputation! Oh, I have lost my reputation! I have lost the immortal part of myself, and what remains is bestial. My reputation, Iago, my reputation!
A recorrência desse papo da reputação é marcante. Desconfortável pensar que o bem mais valioso para essas pessoas correspondia a algo tão etéreo e subjetivo.
➽ IAGO
How am I then a villain To counsel Cassio to this parallel course, Directly to his good? Divinity of hell!
Iago, acho que a sua pergunta é pertinente. Afinal, quem é o vilão dessa história? Há um vilão? A impressão que tenho é que as personagens se deixarão trair por suas próprias fraquezas, de modo que Iago é apenas a perspicaz figura que as identifica e as usa a seu favor. Isso faz dele o único vilão? E quanto à responsabilidade das demais personagens?
ATO III
CENA III
➽ IAGO: Oh, beware, my lord, of jealousy! It is the green-eyed monster which doth mock The meat it feeds on.
Tá vendo? O Iago bem que deu uma chance pro Othello, mas nãããão, Othello tinha que insistir.
➽ OTHELLO
I’ll know thy thoughts. IAGO You cannot, if my heart were in your hand, Nor shall not, whilst ’tis in my custody
Pronto, esse é o problema. Quem vê cara não vê coração, todo mundo sabe, mas o que fazer, já que não é possível enxergar o coração de ninguém? Ora, mal conseguimos enxergar nossos próprios corações, imagine o do outro. Não adianta, a cara é a mísera orientação com a qual podemos contar. (Será que a origem da expressão tem alguma relação com essa peça???)
E começo a pensar que Othello cada vez mais se complica na história. Poxa, o que as ações de Desdemona sugerem até aquele ponto? A mulher abandonou pai e pátria para ficar com ele, e ainda assim ele acreditará que ela o trai com Cassio?
➽ Look to your wife, observe her well with Cassio. Wear your eyes thus, not jealous nor secure.
O lance é como enxergar as ações, ou seja, é preciso sabedoria e maturidade para interpretá-las com a menor margem de erro possível, teorizo. Por exemplo, eu acabei de escrever que o que Desdemona fez para ficar com Othello a favoreceria aos olhos do esposo, enquanto Iago usa esse mesmíssimo argumento para envenenar Othello. No fim das contas, é tudo narrativa, e cada um escolhe a que melhor lhe convém. Eeeeeeepa, acho que comecei a captar O grande tema dessa peça.
➽ Oh, curse of marriage That we can call these delicate creatures ours
And not their appetites!
Poxa, é bem chato que o casamento não seja uma transação comercial, né? Você pagou, mas não levou, Othello.
➽ I had rather be a toad And live upon the vapor of a dungeon Than keep a corner in the thing I love For others' uses. Yet ’tis the plague to great ones, Prerogatived are they less than the base. 'Tis destiny unshunnable, like death. Even then this forkèd plague is fated to us When we do quicken. Look where she comes.
Othello has 99 problems, but low self-steem ain't one. De onde ele tirou esse tal destino dos grandes? Sei lá, acho que chifre não respeita envergadura.
➽ OTHELLO I have a pain upon my forehead, here.
E esse é o grande escritor que desvendou toda a natureza humana em sua obra. Gênio, sem dúvida alguma.
➽ The Moor already changes with my poison. Dangerous conceits are in their natures poisons Which at the first are scarce found to distaste, But with a little act upon the blood Burn like the mines of sulfur.
Acho que rola aqui outro jogo de opostos. Desdemona se apaixona por causa das narrativas de Othello que, por sua vez, enlouquece de ciúme por causa das narrativas de Iago. A peça retrata o quanto histórias são capazes de despertar as paixões humanas, para o bem ou para o mal; assevera que as narrativas são o motor da vida humana. >> Ok, fecharei a conta: narrativa/história é o tema central da peça; ciúme é só a superfície. A peça é meta, confere?
CENA IV
➽ EMILIA Is he not jealous? DESDEMONA Who, he? I think the sun where he was born Drew all such humors from him.
Isso que dá se apaixonar por um contador de histórias, Desdemona. Suspeito de que você confundiu autor X narrativa. Não pode, mulher.
➽ DESDEMONA Alas the day! I never gave him cause EMILIA But jealous souls will not be answered so. They are not ever jealous for the cause, But jealous for they’re jealous. It is a monster Begot upon itself, born on itself.
Intrigante tese. De um jeito ou de outro, o ciumento bola para si uma historinha convincente para justificar o ciúme. Pode ser, vai saber?
ATO IV
CENA I
➽ OTHELLO It is not words that shake me thus. IAGO Work on, My medicine, work!
Ah, sim, outra importante extensão do tema das narrativas. A palavra é o ingrediente maior das poções narrativas que nos enfeitiçam e despertam sentimentos avassaladores. Ficção é o que move as paixões humanas; vivemos no transe da ficção construída por meio das palavras. Estou me repetindo, porém é que, quanto antes a gente se dá conta disso, melhor.
➽ Bicho, o Othello convulsionou de ciúme!! LITERALMENTE. Imagina isso no palco?!
Pessoalmente, é tudo muito estranho; digo, eu não tenho familiaridade alguma com ciúmes; de verdade. A partir dos elementos dessa peça, cheguei à hipótese de que talvez o ciúme seja um sentimento comum às pessoas que dependem demais da frágil convicção de que elas próprias são incríveis ou, nas palavras de Othello, de que são The Great Ones. É provável que a traição do amado/da amada seja interpretada pelo ego como o indício de que não existe em si uma grandeza inigualável e insubstituível. E como poderia o ego com delírios de superioridade continuar vivendo assim? Só lhe restaria eliminar esse um/uma que arranhou a ilusão de grandeza; ou eliminar a si mesmo. Será esse o destino de Othello?
➽ OTHELLO (striking her) Devil!
Caramba, ele bateu na Desdemona. Quero mais é que se lasque, agora. Esse paspalho vai matá-la, é?!
➽ LODOVICO Is this the noble Moor whom our full senate Call all in all sufficient? Is this the nature Whom passion could not shake? Whose solid virtue The shot of accident nor dart of chance Could neither graze nor pierce?
Outra narrativa colocada à prova, a partir de uma nova circunstância. Quem seria Othello? O que se narrava a respeito dele não bate com os novos fatos, portanto como voltar a defini-lo? Simples: uma nova história é necessária. Isso sinaliza que até nossa identidade não passa de mera construção narrativa. É tudo uma ilusão, essa merda. 😁
➽ IAGO
He’s that he is.
Novo paralelo com a frase inicial de Iago, dita a respeito de Othello. Acredito que Buffy possa usá-la para sustentar sua leitura de que Iago é a versão má de Othello; o duplo Othello-Iago. Particularmente, não curto essa teoria, nem acho que faça tanto sentido. Quer dizer, é possível que faça mais sentido se focarmos naqueles termos borgianos do herói x traidor, pois persisto questionando o papel de um suposto vilão nessa peça. Como nos contos de Borges, a narrativa de Shakespeare deixa claro (acho) que as figuras do herói e do vilão são obras do acaso, de determinada fugaz circunstância; nada é fixo.
CENA II
➽ OTHELLO Why, what art thou?
DESDEMONA
Am I that name, Iago? Such as she says my lord did say I was.
É; a questão da identidade segue forte. Essa sequência é boa, pois aborda aquelas situações em que nós mesmos ficamos confusos a respeito de quem somos, por conta das múltiplas narrativas que se criam a nosso respeito.
E chama muita atenção o peso que se dá à injúria de chamar uma mulher de puta. Por várias falas, restou demonstrada a grande valoração da reputação que, no caso da mulher, depende de como ela conduz sua sexualidade.
CENA III
➽ EMILIA
Let husbands know Their wives have sense like them.
No discurso de Emilia, até o conceito de certo X errado aparece como uma questão de perspectiva, narrativa, ponto de vista, contexto; como queira. Estamos sempre correndo atrás de conceitos absolutos que simplesmente não existem.
ATO V
CENA I
➽ Agora que atinei para registrar o seguinte: como é tonto esse recurso narrativo do vilão que conversa consigo mesmo; espécie de fala através da qual o autor explica ao espectador o que está acontecendo. Tenho a sensação de que torna o "vilão" menos aterrorizante. Novamente me pergunto como fazem isso no palco. O ator fica falando de frente para o público? Rola uma quebra parcial de parede? Terei de arrumar uma montagem pra ver depois.
➽ Se a gente ganhasse £1,00 a cada vez que a palavra strumpet/whore é dita nessa peça, hein?
➽ O plano do Iago está tomando rumos tão intricados, que falarei a verdade: não sei se estou sacando tudo que tá rolando, não. O cara quer matar todo mundo; é isso? É o que dá, se meter com o capiroto.
➽ OTHELLO
Yet she must die, else she’ll betray more men.
Esse maluco tá de sacanagem comigo, não é possível um troço desse. Ele matará mesmo a Desdemona... Gente...
And mak’st me call what I intend to do A murder, which I thought a sacrifice!
As mulheres têm uma carga pesada de culpa para expiar, a depender da narrativa masculina da vida.
➽ IAGO
I told him what I thought, and told no more Than what he found himself was apt and true.
Ele tá mentindo? Tá mentindo?! Eu acho que não. Reitero: possivelmente há um duplo Othello-Iago, contudo os papéis que as duas personagens assumem (herói x vilão) são bem embaçados.
➽ Duplo feminicídio... Caraca. Se Othello e Iago não se matarem e partirem juntos pro inferno, será o fim de nossa relação, Shakespeare.
➽ When you shall these unlucky deeds relate, Speak of me as I am. Nothing extenuate, Nor set down aught in malice. Then must you speak Of one that loved not wisely, but too well
Stabs himself
Ok, Shakespeare, aceito esse final. / Pelo visto, minha teoria sobre os ciumentos se encaixou super bem na peça; ou quase, dado que uma só morte não foi suficiente para apaziguar o ego de Othello.
➽ Myself will straight aboard, and to the state This heavy act with heavy heart relate.
Que beleza! Então, o que a personagem fará no desfecho da peça? Ela partirá para contar toooooda aquela historinha para seus pares. Não disse que o grande tema dessa peça são histórias, narrativas? Lodovico assumirá o papel do contador de histórias e a narrativa continuará, ou seja, a vida prosseguirá.
[*Falas de Gornick são extraídas de seu livro The End of the Novel of Love*]
Daniela: Olá, Vivian Gornick; tudo bem? Será que você teria um tempinho pra conversar comigo sobre The Awakening? Acabei de lê-lo pela primeira vez.
Vivian Gornick: Hello, Daniela. Claro, com prazer. Escrevi brevemente sobre ele em meu livro The End of The Novel of Love.
Daniela: Eu sei!, e é por isso que decidi finalmente ler essa obra da Kate Chopin. *Não resisto e tenho de bancar a fangirl: Gornick, adorei seu livro TheOdd Woman and the City! Ah, por favor, diga a Leonard que mandei-lhe um abraço.
Vivian Gornick: Fico feliz que tenha gostado do meu livro. E darei o recado (só não sei como ele reagirá). Bem, e o que achou de The Awakening? Kate Chopin era bem popular na época, com uma carreira consolidada há uma década, porém esse livro, em particular, provocou escândalo; acusado, dentre outras coisas, de veneno moral, mais Zola que o Zola, forte demais para as crianças...
Daniela: Pois é; inclusive, tive de apelar ao Google algumas vezes durante a leitura, a fim de confirmar o ano de publicação, pois quanto mais avançava, menos eu acreditava que tinha nas mãos um livro escrito em 1899. Aparentemente não há, neste caso, unanimidade entre leitores; mas eu gostei bastante de The Awakening.
Vivian Gornick: A história é um melodrama simples, mas a escrita de Chopin é poderosa. As obras dela são muito marcadas pela abordagem do erotismo e sensualidade feminina, bem como pela compreensão de que, no casamento, há sempre uma oposição de desejos onde o papel do dominado, o papel daquele que se submete ao poder do outro, resta sempre à mulher.
Daniela: Entendo. Aquela cena da varanda, por exemplo, ilustra brilhantemente a patética luta de braço que por vezes se estabelece entre um casal. Ri um bocado; ao mesmo tempo que morri de raiva quando o marido solta um "pois agora quem vai ficar aqui fora sou eu", depois que a mulher se rende e entra pra dormir. Lendo comentários de leitores, descobri que uma galera acredita que o cara insistia para que ela entrasse porque queria transar, mas eu, tonta, não pesquei isso. Quando li, só enxerguei o lance do poder mesmo; a briga entre uma mulher que buscava espaço para ter vontade própria e um homem que precisava continuar mandando no recinto.
Vivian Gornick: Claro; entretanto o tema do amor sexual é, sem dúvida, muito presente nos livros de Chopin, Daniela. O que acontece é que, até aquele ponto da bibliografia dela, essa temática tinha sido mais palatável para os leitores, uma vez que o sexo ocorria entre Creoles e Cajuns (ou seja: era o outro, e não o leitor), e surgia de modo apenas implícito. Em The Awakening, por outro lado, Chopin tornou isso explícito; escrevendo uma personagem branca e abastada que desperta sua sexualidade num relacionamento adúltero.
Daniela: Pronto; também não vi um despertar sexual nessa passagem do adultério, ao contrário do que largamente se comenta. Pra mim, Edna se exalta com a traição num nível mais primário, quero dizer, se empolga por finalmente perceber que não era obrigada a seguir as regras sociais impostas às mulheres. Em outras palavras: Edna acorda (opa!) para o fato de que só caberia a ela ditar o que fazer da própria vida, a partir da investigação de seus próprios desejos (> esse, porém, é o ponto onde ela escorrega). Parece óbvio, mas sabemos que, para muitas mulheres - sobretudo naquela época -, isso pode ser uma baita revelação.
Vivian Gornick: Possivelmente sua leitura focou nesses aspectos porque The Awakening é um romance que discute, acima de tudo, o significado e a consequência de desejos dormentes.
Daniela: Exato!; creio que minha relação com o livro seguiu precisamente essa chave, Gornick. Por exemplo, acho peculiar que The Awakening seja alardeado como uma obra feminista; ou melhor, que Edna seja tomada por muitos leitores como uma espécie de heroína feminista – um conceito besta, sejamos honestas. Durante a leitura, questionei recorrentemente o tal “Despertar” denunciado no título, pois defendo que Edna jamais acorda em definitivo; mas tão somente intercala entre sonhos. Essa personagem me remeteu a um trecho do O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, do qual destaco esta frase: “(…) a mulher tradicional é uma consciência mistificada e um instrumento de mistificação (...)”. Ou seja, o que tento dizer é que The Awakening seria uma ficção que retrata (super bem) o estrago que sociedades patriarcais, sexistas e machistas são capazes de fazer no processo de formação e amadurecimento psicológico das mulheres; mas o livro não consegue ir além disso. Edna permanece numa constante ameaça de despertar, sem jamais, no entanto, ser capaz de afinal encontrar a própria voz, descobrir quem realmente é e o que deseja, desvendar o mundo em que vive e seu lugar nesse mundo. Ela persiste alienada de si. Numa crítica sobre o livro, Patricia Yager menciona algo que parece-me bastante pertinente: "A compreensão mais radical de The Awakening é a de que Edna habita um mundo de possibilidades linguísticas limitadas; possibilidades limitadas de interpretar e de reorganizar sentimentos e, portanto, de agir."
Vivian Gornick: Entendo seu ponto de vista, o qual, por certo, decorre do fato de que as mulheres, com mais frequência do que os homens, acordam do longo sonho da adolescência sem saber como chegaram ali. Para Kate Chopin, a mulher é uma metáfora da consequência desse sonho de vida que se prolonga por muito tempo. A sabedoria, quando chega, não acompanha-se do poder capaz de ativar desejos cronicamente dormentes. Mulheres, uma vez conscientes, com frequência permanecem congeladas, empaladas no conflito de Hamlet.
Daniela: Complicado, né? Acho que o livro é vigoroso na abordagem dessa questão. Aliás, tomemos as personagens Mademoiselle Reisz e Madame Ratignolle, que praticamente assumem as figuras do diabinho e anjinho sobre os ombros de Edna que, coitada, não percebe que aquelas não são as únicas narrativas possíveis para uma mulher (*mas é engraçado como a maioria das ficções atuais continua nos entregando apenas essas duas opções - a mãe/esposa exemplar X a fdp fodona). Edna falha em vislumbrar o terceiro caminho que apenas a ela caberia trilhar e, importante frisar, com as ferramentas que a realidade a apresentava (como diz o atual meme dos djóvens: “você que lute.”). Nesse contexto, a exasperação da personagem me contaminou um bocado, dado que me vi diante de uma mulher esmagada pelas habituais narrativas românticas que a sociedade nos impõe: de um lado, o papel da mãe e esposa exemplar despida de libido; do outro, o papel da mulher princesinha livre de responsabilidades e amada incondicionalmente por quem quer que escolha. Em suma, defendo que The Awakening é muito mais uma obra sobre construção de identidade e, por que não, liberdade; ambos sob a perspectiva da mulher.
Daniela: A propósito, preciso registrar que aquela mesma crítica escrita por Patricia Yaeger me alertou para algo mega importante que eu não tinha atinado (embora óbvio): os homens da história representam o terceiro vértice (os outros dois, aquelas duas personagens citadas) contra o qual Edna ricocheteia. Yaeger destaca diversas passagens nas quais, no contato com os homens da história, a protagonista retrocede em seu despertar, acanhando-se diante do universo masculino com o qual não se identifica, mas que a define tal qual a um objeto. Quando ela ensaia iniciar e aprofundar o processo de auto-investigação, um homem costumeiramente se materializa para dizer-lhe o que ela pensa, sente, deseja.
Vivian Gornick: Bom, Edna é uma personagem marcadamente Americana: indivíduos modernos divididos em si mesmos. Eles afirmam desejar uma vida real, mas, no fundo, não querem. Não entendem que, para se ter uma vida, é preciso agir, consciente e deliberadamente, em nome de um eu uno, integrado. Nesse sentido, Lily Bart, personagem de Edith Wharton, e Isabel Archer, personagem de Henry James, são ambas modelos daquilo que atormenta Edna Pontellier. Wharton e James escreveram romances inteligentes porque ambos autores tinham consciência daquilo que suas personagens sabiam apenas de modo imperfeito: a paralisia do eu dividido. Kate Chopin, por sua vez, sabia apenas tanto quanto Edna: não o suficiente.
Daniela: Opa, já li obras desses dois autores (e gostei muitíssimo), mas não as que você citou; providenciarei essas leituras. No entanto, acho curioso que, pra você, Chopin encontrava-se num patamar similar ao da própria personagem que concebera; pois eu não tinha pensado nisso. Em relação à escrita da autora, além da simplicidade que você mencionou, eu destacaria o aspecto cinematográfico; concorda? Até descobri que o livro já foi adaptado pro cinema, porém as críticas que li não me animaram a assistir. Poxa, nas mãos de uma boa diretora, estou convicta de que o livro resultaria num filme belíssimo. Como não ficaria na telona, aquele trecho do passeio de barco? E a cena do nado no mar, à noite? A cena do reencontro acidental dela com Robert, naquele espaço descrito feito um conto de fadas? O final, então; com a mulher nadando nua e fundindo-se com o mar?... É, talvez eu dê uma chance à adaptação que temos.
Vivian Gornick: Veja; é que, em minha opinião, Chopin atinge apenas flashes de percepção (intensos, porém tênues), construindo uma prosa lamacenta e abstrata. A sintaxe da autora é sofisticada, mas o discurso tão direto revela-se primário. Chopin percebe a dura verdade do eu inviolado sob a perspectiva de uma mulher adulta, com desejos sexuais; porém falha no momento de situar isso num mundo plenamente imaginado. Desse modo, não resta espaço para transformar insight em sabedoria.
Daniela: Hum, entendi. E quanto ao final, Gornick? Confesso que, quando o li, me senti uma leitora super desatenta, pois não antecipei aquele desfecho. Caramba, a autora tinha dado todas as pistas! Apesar disso, é uma cena que gera muita discussão entre leitores e acadêmicos, né?
Vivian Gornick: Sim, é verdade. Na tentativa de interpretar o motivo do desconforto que o livro me provoca, passei por algumas hipóteses. Primeiro, imaginei que Edna morre porque assume-se enquanto ser sexual (castigo). Depois, supus que a personagem olha o abismo, enxerga o vazio da vida, e por isso deseja morrer. Por fim, após minha última releitura, percebi, pela primeira vez, o quanto Edna é simplesmente alimentada pela fantasia; ela move-se apenas rudimentarmente pela vida.
Daniela: Compreendo e concordo plenamente com sua última hipótese. Há quem veja naquele fim um ato planejado e deliberado da personagem, mas eu o encaro como um mero acidente, por mais estúpido que soe. Por coincidência, durante minha leitura recente do famigerado O Mal-estar na Civilização, do Freud, esbarrei com uma frase que sintetiza perfeitamente o julgamento que faço do que ocorre no final com Edna: “A satisfação irrestrita de todas as necessidades se apresenta como a maneira mais tentadora de conduzir a vida, mas significa pôr o gozo à frente da cautela, trazendo logo o seu próprio castigo.”
Daniela: Persistindo na cena final, também vale acrescentar que essa imagem da mulher nadando no mar, carregada de sensualidade e liberdade, parece não ter caducado na literatura, pois também a encontrei no livro contemporâneo Outline (Esboço), da Rachel Cusk. Já leu, Gornick? É fascinante, pois Cusk escreve a respeito do mesmíssimo desejo de uma mulher em seguir nadando e nadando em direção ao infinito do mar, porém com uma diferença crucial: ao contrário de Edna Pontellier, a narradora de Outline sabe tratar-se de uma ilusão (embora isso não promova o pleno desenlace desse ímpeto, é bem verdade).
Daniela: Colarei um breve destaque do que Cusk escreve em Outline, a fim de permitir a preciosa comparação: “I felt that I could swim for miles, out into the ocean: a desire for freedom, an impulse to move (…) into ever expanding wastes of anonymity. I could swim out into the sea as far as I liked, if what I wanted was to drown. Yet this impulse, this desire to be free was still compelling to me: I still, somehow, believed in it, despite having proved that everything about it was illusory.”
Daniela: Para recordar, o que escreve Chopin: "She turned her face seaward to gather in an impression of space and solitude, (...) As she swam she seemed to be reaching out for the unlimited in which to lose herself."
Daniela: Ocorre-me agora que talvez esse lance de nadar e nadar no oceano até afogar-se seja simbolicamente equivalente a “comer a massa branca da barata” (Lispector), “dissolver as próprias margens com o mundo” (Ferrante). Cynthia Wolff, na crítica psicanalista que escreveu sobre The Awakening, chama atenção aos desejos orais de Edna Pontellier (ela cita vários trechos e frases que remetem à relação de Edna com comida, da relação com o mundo externo através da boca), destacando o quanto o narrador conecta os desejos de Edna em termos de completude, incorporação e fusão às tentativas iniciais de definição de identidade. Wolff explica que, quando o primitivo sentimento do ego de buscar um preenchimento mediante a fusão com o infinito permanece intenso na vida adulta, ele pode ser irresistível e aniquilador. De outro modo: quando o verdadeiro Eu permanece tanto tempo dormente, é possível que o enorme vazio só se satisfaça mediante a fusão com o mundo externo, uma totalidade que representa a aniquilação do Ego.
Vivian Gornick: Interessante. Em entrevistas, Chopin reiteradamente afirmara que, em seu processo criativo, ou a escrita vinha toda de uma vez ou não vinha; o que tomo como a mais relevante informação que temos acerca da autora. Chopin parecia encarar isso como a prova de um talento inato, e não como o amadorismo que de fato é. Afinal, o que é a vida de um escritor, senão contínua revisão? De que outro modo pode um escritor aprofundar seu trabalho, criar um mundo no livro; e não apenas uma brecha pela janela aberta? Nesse sentido, pode-se afirmar que a própria Kate Chopin nunca avançou para além do começo. A vida da autora constrói-se como uma sequência de despertares.
Daniela: Eita, talvez você tenha pegado pesado, Gornick. (Se bem que é exatamente o que Simone de Beauvoir fala nos trechos aos quais esse livro me remeteu.)
Vivian Gornick: Não é minha intenção. Na verdade, as preocupações de Chopin eram aquelas de dois dos grandes autores de sua época, e ela foi capaz de tomá-las para si num grau admirável.
Daniela: Entendi. Enfim, fiquei feliz por ter lido The Awakening. Se panz, talvez eu ainda tenha um tanto de Edna Pontellier para solucionar em mim, e o livro me ajudou a permanecer atenta quanto a isso.
Daniela: No mais, não posso perder a piada: este poderia ser mais um caso daquele meme "Os Simpsons previram", não tivesse o livro de Chopin chegado primeiro*.
"Think of the children, Edna. Oh think of the children!
Remember them!"
Daniela: Mulheres, temos de pensar nas criancinhas; pra que esse egoísmo de pensar em si própria? (*claro, a pegada histórica desse apelo é bem mais longa que a do livro de Chopin...)
Fecho os olhos e me vejo dando uma de Rose Dewitt Bukater, possivelmente entrevistada para o trabalho escolar de alguma criança do ensino fundamental: "Passaram-se 84 anos desde a pandemia de 2020... Naquela ocasião, a pequena burguesia*, então trancafiada em seus minúsculos apartamentos financiados, apelou para singulares atividades. Muitos assaram pães em casa, outros rasparam a cabeça - grande apreço pelas mulheres desse grupo - , outros se meteram até a curar queijo; imagine só! Eu? Ah, eu fui mais modesta, pois apenas me pus a bisbilhotar o universo do balé clássico. he he he"
[PAUSA] *= Para que eu mesma não esqueça, registrarei a origem da minha atual fixação com essa palavra. Dia desses li Guerra Aérea e Literatura, do grande W. G. Sebald, e constatei que o livro faz as vezes de inesperado drinking game: a cada "pequeno-burguês" e variantes mencionadas, uma entornada na garrafa. Nível do jogo: fácil. Hoje, ao caminhar pelo meu bairro, não tenho resistido à tentação de atazanar a alma de Sebald, parafraseando e imitando o Buzz Lightyear, enquanto aponto para os prédios da classe média: "Pequeno-burgueses, Sebald; pequeno-burgueses para todos os lados!"(Até que ponto o crédito seria também do tradutor? Na dúvida, os incluo no registro: Carlos Abbenseth e Frederico Figueiredo.) [FIM DA PAUSA]
🩰
Já mencionei no blog o quanto a dança me fascina (inclusive seu uso na ficção, em especial no cinema), porém confesso que não ligava pro balé. Quando era criança pequena lá em Barbacena, lembro de ter ficado desorientada no momento em que uma amiga (- saudade de você, Paula; espero que esteja bem) me contou, toda radiante, que tinha se matriculado numa escola de balé. Naquela época, todo mundo estava metido com jazz - muito mais legal -, então por que ela se meteria com a chatice do balé? Enfim, corta para 2020, e cá estou falando coisas do tipo "PQP, esse pas de deux é a coisa mais liiiiiiinda! Olha esse arabesque! Ah, porque o fouettés e não sei que mais lá do pliés, tendus, dégagés, fondus, rondes de jambe, rondes de jambe en l’air, frappés, développés, grande battements**... Cara*o, vai se f*er, esse bailarino!" E como assim ninguém me avisou que as músicas nas apresentações de balé clássico resultam da presença de uma orquestra inteirinha à beira do palco?! Não!, eu não fazia ideia de que era assim (vergonha de expor minha ignorância? jamais). Atenção, não digo que agora eu manjo desse paranauê; maaaaas aprendi umas coisinhas e ando bem interessada, refletindo (=💩) um bocado sobre balé e a dança em geral. Com este post, começo a registrar esta fase dançante.
[ ** = na real, não sei identificar nenhum desses passos. ¯\_(ツ)_/¯ ]
🩰
A pandemia contribuiu para este súbito interesse porque, dada a suspensão dos espetáculos, certas companhias (The Royal Ballet-UK foi meu foco) decidiram disponibilizar no You Tube algumas de suas prévias produções na íntegra, com excelente qualidade de som e imagem. O primeiro espetáculo que vi foi The Cellist* que, verdade seja dita, integra o programa de dança contemporânea do The Royal Ballet. Apertei play sem saber nadinha do que se tratava e, quando dei por mim, estava me debulhando em lágrimas. Fiquei tão atordoada com o fato de um espetáculo de dança me colocar num estado patético daquele, que obviamente quis mais. [ *= narra a biografia da violoncelista Jacqueline du Pré, cuja carreira foi lamentavelmente encurtada em decorrência de esclerose múltipla.]
🩰
Espetáculos vistos até o momento, graças ao You Tube:
- The Cellist;
- O Lago dos Cisnes (versão "final feliz");
- Romeu e Julieta (Vi 3 produções, em duas coreografias. É Romeu e Julieta; não resisto);
- Giselle;
- Bela Adormecida;
- Onegin (infelizmente, não há no YT uma versão completa);
- La Bayadère (orientalism is strong with this one);
- E um catatau de vídeos de ensaios (são uma delícia de assistir!)
Sim, restam-me vários classicões; e que bom! Meta: assistir a um grande espetáculo de balé ao vivo, numa majestosa casa de espetáculos.
🩰
Algumas questões sempre me intrigaram nesse meio, mas só agora a curiosidade atingiu níveis suficientes pra me fazer mover uma palha a fim de desvendar esses "mistérios". Anoto duas soluções:
(1)Pergunta: O que diabos acontece por baixo da calça dos bailarinos?
R- Um olhar aguçado permite ter uma ideia, eu sei; no entanto estiquei o braço para jogar no Google e confirmar a suspeita. Sempre julguei que a peça tivesse fins meramente estéticos (quem deseja ver bolas pulando pra cima e pra baixo, confere?), mas que nada! Em um dos vídeos a que assisti no YT, bailarinos explicam que o propósito é sobretudo prevenir acidentes envolvendo o saco escrotal. Elementar, meu caro Watson! Ah, e os caras falando do alívio que é tirar o troço ao final dos ensaios? Sendo uma sênhôurade respeito, não alongarei o fio dessa meada (*trocadilho não intencional*).
O legal foi descobrir que, caso eu siga contas de bailarinos no Instagram, corro o risco de ter meu feed invadido por fotos de corpos masculinos perfeitos, trajando nada além da tanga. Parece-me um excelente investimento. Calma, quero dizer excelente para praticar desenhos da anatomia masculina.
(2) Pergunta: como essa galera memoriza as coreografias?!
R- Nem precisaria ter ido tão longe, pois a turma que aprende as coreografias dos clipes da Beyoncé já me deixa abestalhada. O caso do balé é ainda mais complexo, pois são performances que habitualmente duram cerca de duas horas, nas quais cada mínima posição e movimento são ensaiados à exaustão. Para além da memorização, me dei conta de que há outro aspecto relevante: a cada nova produção, é preciso garantir a máxima fidedignidade às coreografias originais que, afinal de contas, são obras de arte que demandam respeito à autoria. Eis que entra em cena a incrível:
CHOREOLOGIST!
(em pt: coreologista ou coreóloga?)
Estamos falando de partituras de dança (!), ou seja, de representar graficamente os movimentos; de desenhar a dança com o mínimo de traços e o máximo de detalhes. É a dança enquanto língua escrita, não é? Caramba, não aguento; essa descoberta me proporcionou uma felicidade indescritível.
Visto que o canal do Royal Ballet posta muitos vídeos de ensaios (se vacilar, gosto de vê-los mais do que os próprios espetáculos), pude constatar que as choreologists sempre estão presentes e, somente com as pastas de partituras na mão, são capazes de apontar cada movimento fora do lugar, cada passo realizado fora do tempo. A impressão que tive, a partir dos comentários dessas profissionais durante os ensaios, é que a técnica (Benesh Dance Notation) realmente é eficiente em documentar cada mínimo detalhe das coreografias. Segundo uma das choreologists do Royal Ballet (UK), Anna Trevien, a técnica foi bolada por Rudolf Benesh, contador e pintor/desenhista (óbvio ❤), em parceria com sua esposa, a bailarina Joan Benesh. Trevien explica que, antes dessa forma de anotação, Joan valia-se de palavras para descrever cada instante da coreografia que estava aprendendo, o que não era nada prático, dado que resultava em textos super longos. Assisti ao vídeo em que Trevien comenta a lógica da técnica, contudo estaria mentido se dissesse que entendi tudo e que estou pronta para ler qualquer partitura de dança. Para os mais sabidos, o vídeo:
🩰
Como este blog ainda é um diarinho pautado sobretudo nos livros que leio, o registro dos devaneios dançantes serão auxiliados, claro, por livros. Nesta primeira postagem, contarei com a ajuda de trechos do The Cranes Dance, escrito por Meg Howrey, ex-bailarina do Joffrey Ballet e do City Ballet of Los Angeles. Essa obra ficcional é uma espécie de versão moderna de O Lago dos Cisnes, mas dane-se a história (desculpe-me, Howrey), pois o que curti foram os comentários da narradora acerca do fascinante mundo do balé.
[P.S.: as traduções toscas dos trechos listados a seguir são culpa minha. Grifos eventuais também são meus.]
➛ "Até a coisa mais básica, mais principiante, a primeira posição, é cheia de regras. Calcanhares PRA FORA, pernas RETAS. Joelhos PRA CIMA. Barriga PRA DENTRO E RETA. Caixa torácica PRA DENTRO E PRA CIMA. Ombros PRA BAIXO. Braços PRA FORA, cotovelos ALINHADOS, polegar curvado ligeiramente PRA DENTRO, dedo indicador LIGEIRAMENTE ESTENDIDO, os demais levemente relaxados e o dedo mindinho RELAXADO e levemente ELEVADO. Pescoço ALONGADO. Queixo ALINHADO."
➛ "A gente nunca verá o Romeu irritado com a Julieta", eu divaguei. "Nunca vai parecer uma relação real. (...) Está tudo nesse nível elevado e irrealista. Mas temos de fazer. E nós somos pessoas reais. Há esta... lacuna". "Na verdade, não", disse Roger. "A menos que você pense que o que estamos fazendo agora é menos real do que o que fazemos no palco."
Esse trecho me fez pensar que a intensificação de meu espírito Blanche DuBois, promovida pela pandemia, foi a grande responsável por fazer o balé cair de súbito em minhas graças. EU NÃO QUERO REALIDADE. EU QUERO MAGIA! O trecho também me remeteu àquele excelente diálogo da série israelense Shtisel:
- É uma pintura, pai, não é vida real. - Kive, quando vai entender? Tudo é vida! Tudo é vida, e o que fazemos com ela.
➛ "Então eu os observei nos observando. Os rostos das pessoas ficam tão suaves no escuro, tão inocentes. Tão confiantes. Eles sabem o que estão vendo, mas também devem saber um pouco do que não estão vendo. Eles sabem que as joias são falsas. Eles sabem que a lua está pintada. Eles sabem que não é fácil virar e pular, e sabem que muito esforço e talvez dor estão sendo ocultados. Eles não se fixam nisso. Eles se deixam ser (...) conduzidos. Eles são gratos por serem (...) enganados. Nossos truques nunca os machucarão. Nunca diremos a coisa errada, porque nunca falamos. Eles nunca ficam tão felizes quanto quando os fazemos chorar."
SIM! E é peculiar, esse sentimento de gratidão despertado pela arte que nos conduz às lágrimas, não? O que estaria por trás disso? Talvez seja porque nos faz lembrar de que estamos vivos, e de que isso é uma dádiva e tanto. Por ora, é a hipótese aventada.
➛ "Ele diz coisas como "Tente parecer feliz quando faz isso" e (...) "Por que todo mundo está suando? O balé é tão fácil."
+
➛ "É assustador vê-los(o público)assim, sob as luzes, quero dizer. Eles são mais interessantes na escuridão."
Não minto: durante os vídeos de ensaios, reparei nas pizzas de suor nas axilas dos bailarinos (e até nos espetáculos é possível ver, dada a qualidade das imagens). É meio desconfortável notar esses detalhezinhos, pois inegavelmente arranham a magia. Contudo, o bacana a respeito dessas passagens de The Cranes Dance é o reconhecimento de que o pacto ficcional funciona como uma via de mão dupla, digo, o público também é capaz de quebrar a magia que igualmente acontece para os próprios bailarinos. Escondidos na escuridão, somos desejados, mas basta que nossos rostos se materializem na frente dos bailarinos, para que o desejo colapse.
➛ "O Lago dos Cisnes, como todos os grandes balés clássicos, realmente exige um programa de notas porque, caso contrário, será preciso acompanhar o enredo mediante a mímica do balé, e Deus sabe o quanto ela é verdadeiramente indecifrável."
Foi um alívio ler essa passagem, pois estava me sentindo mais burra do que o habitual, por não conseguir entender as histórias exclusivamente a partir da dança; de modo que costumo apelar ao Google para localizar as descrições do que ocorre em cada ato. Porém, destaco que não considero isso um "problema" dessa arte; muito pelo contrário. A coreografia de The Cellist, por exemplo, talvez possa ser criticada justamente por certo didatismo dos movimentos, quero dizer, uma transposição um tanto literal e pouco criativa da vida da biografada para a linguagem da dança.
➛ "A maioria das produções de O Lago dos Cisnes não varia tanto assim uma das outras. (...) Não se pode desviar muito no balé clássico; senão ele não será mais, bem... clássico."
De fato, rapidamente percebi que o adjetivo "clássico" não é usado à toa; e esse é um aspecto que me desagrada um bocadinho no balé. Embora as temáticas sejam atemporais (o amor, por exemplo, é uma grande constante), é difícil contestar que a abordagem é algo conservadora (se é que faz sentido falar nesses termos). Acredito que essa é a principal razão por que não me empolgo tanto com as produções baseadas em contos de fadas, sobretudo porque resisto em enxergar algo além do moralismo sem graça (pra mim) dessas narrativas. As adaptações de obras literárias clássicas de grandes escritores, por sua vez (Shakespeare, Pushkin...), assim como os espetáculos de dança contemporânea, me instigam bem mais. Reconheço que isso sinaliza o quanto dependo de uma boa narrativa para me envolver com o espetáculo de dança, o que possivelmente seja uma limitação minha. Em outras palavras: não consigo me emocionar com a técnica pela técnica, simplesmente. Em um dos ensaios a que assisti, era nítida a profunda emoção da instrutora diante do talento da bailarina a quem orientava - ela estava paralisada e sem palavras, tadinha - ; e tal sentimento ainda me é alienígena, lamento.
➛ "(...) há uma série de problemas para transformar histórias complicadas em balé. (Romeu e Julieta seria uma exceção. Eu diria que o balé é melhor do que a peça. Se você discorda, é só porque nunca viu a cena do pas de deux na sacada ou porque você é feito de pedra)."
SIIIIIIIIIM!!!!!! A coreografia do Sir Kenneth MacMillan para Romeu e Julieta, combinada com a composição de Prokofiev, é absurdamente linda. E pensar que quase morri sem ter visto isso. A respeito do pas de deux final, aquele em que o Romeu dança com a Julieta "morta", digo apenas: vai se f*er! (morri junto com os dois desgraçados.) E a coreografia inclui até as lutas de espadas!! Não dá, não dá. NÃO.DÁ. Aviso logo que devo ter visto umas vinte vezes, ao longo de duas semanas.
➛ "Entra uma moça. Ela está vestida de branco e seu cabelo está solto, portanto sabemos imediatamente que ela é jovem e inocente."
A narradora da Meg Howrey menciona alguns desses códigos recorrentes nas produções de balé. Eles são tão apalermados, que fazem a curva e tornam-se engraçados. Organizo uma lista:
- "Sabemos que ele é um mágico porque tem uma capa, (...)" > Oi? E o pior é que fiquei perdida, pois o Romeu usa uma capa MARA e, até onde eu saiba, ele não é um mágico. Ou há controvérsias? EITA.
- "(...) que ele é mau porque, debaixo da capa, ele veste essa roupa demoníaca de borracha" > Se você se veste de preto meio gótico, sinto informar que, pelo menos no universo do balé, você é ~do mal~.
- "A garota parece se perder em meio à névoa. Ela faz o grande gesto "Estou perdida!": uma mão na frente do rosto, dando passos hesitantes, espreitando o redor etc." > Nossa, e quando isso é feito por bailarinos que não sabem atuar (a maioria, sejamos honestos), é mais embaraçoso ver.
- "A Cena na Vila é padrão no balé clássico, e se você viu um círculo hoo-ha de dança camponesa, já viu todos. (...) Não podemos fingir que estamos falando uns com os outros, pois seria estranho e anti-balé. (...) Por isso, todos circulam e cumprimentam-se com um aceno de cabeça, se for mulher; com um bater de ombros, se for homem. Depois uma pessoa indicará o Palco Central como quem diz "Ei, está vendo? Há pessoas dançando! Não é legal?" E a outra pessoa fará um gesto do tipo "Sim!" > Essas danças da turma da vila do Chaves, ou mesmo as frequentes danças dos bailes aristocráticos, são chatérrimas. Não adianta, prefiro solo e pas de deux.
- "O Príncipe Siegfried dança um solo no qual expressa (muitos saltos) seu desejo de encontrar o Verdadeiro Amor" > Quanto mais saltitante o mancebo, mais feliz ele está. Hum, se bem que um jovem saltitante e cheio dos rodopios também pode estar putaço. É, tem que ficar esperta.
- "(...) faz o gesto do Verdadeiro Amor: uma mão ao peito, a outra erguida com os dois primeiros dedos estendidos." > Não é que é?! Nem tinha me tocado desse código, até ler isso. É bobo demais, adoro.
- "uma mulher apaixonada quase sempre será subjugada por seus sentimentos de amor, tendo de fugir alguns passos de seu parceiro, para estar apaixonada sozinha por alguns instantes (...)" > EXATO! Caramba, é hilário ver a moça correndinho pra longe do amado, indo regozijar-se de alegria no canto do palco. Devo ter passado uma semana imitando, dentro de casa, essa famigerada corridinha enlevada.
- "Não há sexo real, mas apenas sua promessa infinita. Você acha que o sexo real alcança esse tipo de sublime? Acha mesmo?" É tudo muito recatado, em nome do sublime. Aceito a troca com prazer.
➛ "O Dr. Ken disse-me uma vez que os bailarinos são seus pacientes favoritos, porque sempre fazemos o que nos mandam e estamos muito abertos a críticas."
Essa reflexão dos bailarinos enquanto pacientes é bastante curiosa. Seguindo o bailarino Steven Mcrae no Instagram, vi que ele está reabilitando-se de uma cirurgia de reconstrução do tendão de aquiles e, puxa vida, fico em frangalhos ao acompanhar o tremendo esforço dele (e a eventual exasperação que escapa nas entrelinhas das postagens) para conseguir voltar à ativa. Pelo que entendi, os coitados se lesionam com frequência.
A distinta relação dos bailarinos com críticas é bem fácil de captar durante os vídeos de ensaios, pois resta evidente que, caso o artista perca as estribeiras a cada crítica que receba, ele/ela enlouquecerá, pois nunca, jamais sua performance estará perfeita. E desconcerta pensar nesses termos. Digo, os bailarinos são profissionais que esforçam-se ao máximo para atingir uma perfeição sabidamente inatingível. Sempre haverá algo a melhorar, o que significa dizer que eles sempre ouvirão alguma crítica pertinente, por mínima que seja.
➛ "Temos um inferno anual que gostamos chamar de O Quebra-Nozes. Não passamos o Natal com os nossos próprios pais desde que éramos adolescentes".
Pronto, O Quebra-Nozes é um dos clássicos que não vi. Contudo, ao que parece, nem preciso me preocupar, pois todo Natal rola uma produção do bendito.
➛ "(...) a familiar conversa da garota não bailarina com a bailarina. (...) "Todos os homens são homossexuais, né?"
Olha, taí uma parada que me deslumbrou: é lenda que todos os bailarinos sejam gays. Talvez eu tenha viajado alto demais, no entanto realmente confabulei que haveria no balé um interessante ponto de partida para pensar outras expressões de masculinidade (aqui, refiro-me à dança propriamente dita, e não aos papéis nas narrativas clássicas do balé). Aproveito o ensejo para admitir que me fascino mais com os solos dos bailarinos, do que com os das bailarinas; e a reflexão que as performances masculinas me suscitam acerca de gênero e sexualidade pode ser um motivo da predileção. Não sei; mas identifico nos movimentos reconhecidamente masculinos do balé clássico uma belíssima e excitante mistura de feminino e masculino. Nas coreografias dos bailarinos, sinto-me inspirada pela força e vigor viris associados à linda delicadeza de gestos; tudo isso acompanhado de uma irrestrita e tocante abertura aos sentimentos. (No balé, a galera é cheia dos sentimentos.) Dessa maneira, quando descobri que não, nem todos os bailarinos são homossexuais, fiquei ainda mais empolgada, dado que isso sustentaria (creio) minha hipótese de que a dança é capaz de recusar as banais classificações de gênero e sexualidade.
A propósito, dentre todos espetáculos a que assisti até o momento, meu solo favorito é masculino e corresponde ao solo da personagem Lenski, em Eugênio Oneguin; na coreografia de John Cranko e música (estupenda) de Tchaikovsky. É lindo, lindo, lindo. O combo [música + coreografia + cenário] é perfeito, principalmente para quem está familiarizado com o texto do Pushkin e com o que aqueles momentos finais do Lenski - o jovem poeta apaixonado prestes a morrer - simbolizam. Perdi a conta de quantas vezes já assisti a esse solo (a despeito da mediana qualidade da imagem). Na próxima postagem, pretendo voltar a ele, pois há um trecho bastante especial. [P.S: não sei o nome deste bailarino - parece ser canadense (*Atualização: descobri!!! Ele chama-se Jeremy Ransom) -, mas mando-lhe um beijo, onde quer que esteja. Agradeço-lhe por ter estraçalhado meu coração, em parceria com Pushkin, Cranko e Tchaikovsky.] (**Segunda atualização: o vídeo do YT foi excluído; puxa vida. Felizmente achei o solo no Vimeo. Já fiz o download, pois não posso ficar sem isso na minha vida.)
➛"A acachapante feminilidade etérea de todos os Cisnes Brancos."
Pronto, suponho que aí resida a fonte da relativa preguiça que as personagens femininas ocasionalmente me provocam no balé clássico. Lógico, há também um elemento masculino presente, em especial na tremenda força exigida pelos passos das bailarinas, mas ele fica tão escondido sob a espessa camada de elementos ditos femininos, que é preciso atenção para percebê-lo - aliás, suponho que, se a gente os percebe, significa que a bailarina talvez não esteja mandando bem. No caso dos bailarinos, ambos elementos (feminino e masculino) gritam no mesmo volume (desde que o bailarino seja bom, pois às vezes a coisa pende feio para um dos lados), de tal modo que o resultado é fabuloso, em minha opinião. Para além disso, os habituais papéis de donzelas que querem casar ou que enlouquecem/se suicidam porque foram desprezadas é muito tedioso, convenhamos.
Ah, e a cena em que os cisnes brancos entram no palco pela primeira vez, numa fila indiana de mulheres em transe, é uma das coisas mais perturbadoras que já vi. Tão logo ela apareceu, lembrei-me daquela outra cena creepy (pra mim) do filme Jeanne Dielman..., da Chantal Akerman:
Será que a Akerman se inspirou em O Lago dos Cisnes??!!
➛ "No pas de deux clássico, o homem controla tudo. Ele ergue a mulher. Ele a põe de volta ao chão. Ele a rodopia, sustenta seu peso, a faz parar; e ela deve ir aonde ele a leva. A mulher submete-se a tudo isso completamente. Mas a submissão da mulher não é lânguida. De fato, ela só é capaz de submeter-se a tal ponto, porque ela mesma é bastante forte em seu centro. Ela não desmorona, não hesita, nem falha. Não; ela se mantém estável de forma muito consciente, muito confiante. Ela está centrada por seu próprio peso. Assim, o homem sempre sabe onde ela está. Ele pode senti-la. Ele pode absorver a força dela. Essa é uma boa parceria."
Tomei essa fala da narradora como corroboração de que não alopro quando teorizo haver no balé, no pas de deux especificamente, uma bonita metáfora da dinâmica de relacionamentos equilibrados. Ao mesmo tempo, porém, a ressalva contida nessa citação do livro é pertinente, pois, à primeira vista, até parece que o homem é o líder do dueto, mas rapidamente nota-se que ele apenas adianta-se às intenções que partem efetivamente da mulher. O bailarino, logo percebe-se, é mero coadjuvante que somente auxilia a grande estrela da p* toda: a bailarina. (Aos meus olhos inexperientes, é bom lembrar.)
➛ "É realmente a única forma de fazer a parceria funcionar. Claro que nem sempre isso acontece. Por vezes, o homem não é forte ou não se importa com a parceira, ele só quer dançar o solo. Daí a bailarina coleciona arranhões e torções de tornozelo e sente-se abandonada. A dançarina regressa ao camarim e diz às outras colegas: "Tenho de fazer tudo!" e "Não posso confiar nele!". Por vezes, a bailarina tenta controlar tudo sozinha ou não sustenta o próprio peso. Ohomem se cansa, pois tem de lutar contra ela a cada passo. (...) O homem volta ao camarim e diz aos outros homens: "Não sei o que ela quer de mim!" ou "Foda-se, é como segurar um peido!"
Até pra mim, que sou uma completa newbie nessa de balé, é gritante o quanto isso é verdade. Poxa, numa das produções de Romeu e Julieta a que assisti, o pobre bailarino era tão minguado, que quase derrubou a bailarina (a cara feia que ele fez! meu coração saltou pela boca). Como espectadora, é deprimente observar um casal de bailarinos que não tem um pingo de química e sintonia. No entanto, se a dupla funciona, aaaahhhhh!, eu me sinto voando junto com ela. É incrível.
➛"Mas na situação ideal há um perfeito equilíbrio. A mulher é suficientemente forte para dar o máximo de si; o homem é suficientemente sensível para absorver tudo. E porque estão a ouvir a mesma música, estão sempre no ritmo. Não apenas na mesma página, mas na mesma nota."
É isso, é exatamente isso. E chamo atenção para os adjetivos que escaparam dos reconhecidos padrões. Aqui, tivemos: mulher-força / homem-sensibilidade. Não estou falando? O balé clássico sustenta-se em narrativas bem classiconas e conservadoras, é verdade; mas sigo cada vez mais convencida de que essa arte inusitadamente nos instiga a rever no que consistiriam, afinal, o feminino e o masculino; sei não.
➛ "(...) a fofoca" (...) É só drama", disse Mara. "Não se preocupe. (...) Não somos um bando de degoladores (quem tem energia pra isso?), mas é compreensível que os maus sentimentos - ressentimento, ciúme, frustração - surjam eventualmente."
Não posso negar que, vendo os vídeos de ensaios, realmente conjecturei que a Rádio Corredor dessas companhias de balé deve ser frenética. A competição e vaidade nesse meio são acirradas demais, para que seja diferente. Mas vai saber, né? Talvez toda a gentileza que dançarinos e instrutores/diretores demonstram em vídeo seja mesmo real. Pollyannei?
➛ "A carga erótica de jovens suados e seminus a deslizarem as mãos uns sobre os outros também não é exatamente como você pensa. Lembre-se que esses jovens estão sob luzes fluorescentes, diante de um espelho gigante, concentrados em marcar seus movimentos com o tempo da música, enquanto são observados minuciosamente por uma ucraniana que grita coisas do tipo "largue-a, mas não como se ela fosse um saco de batatas, seu i-di-o-ta!"
Eita, meu castelo de fanfic de areia ruiu num piscar de olhos. Assim, não tem como observar toda aquela tremenda proximidade corporal e pensar diferente. Mas ok, a explicação da narradora da Howrey me convenceu de que há zero tensão sexual em jogo.
Nos vídeos de ensaios, os instrutores costumam soltar uns comentários bem engraçados, tal qual esse do saco de batata, sobretudo quando eles precisam dirigir a atuação dos bailarinos na performance dos gestos com função narrativa específica.
➛ "Todo mundo queria dançar com ele. Talento te torna desejável. Talento supera a boa aparência e compensa uma personalidade apenas decente. Talento é personalidade."
Os devaneios nos quais me meti acerca de talento e de progressão na carreira dentro do universo do balé me fizeram retornar à crítica que uma you tuber chamada Jenny Nicholson teria feito ao filme Ratatouille, conforme compartilhado por Thiago Guimarães, num episódio de podcast. Segundo Thiago, Jenny Nicholson teria ressalvas em relação à suposta mensagem subentendida na narrativa de Ratatoiulle; esta aqui (parafraseando a fala de Thiago): "um grande chef pode vir de qualquer lugar, no entanto a posição de grande chef não é acessível a qualquer um, mesmo mediante esforço." Complicado. Imagino que seria maravilhoso caso, mediante intensa disciplina, qualquer um pudesse se tornar Grande em qualquer área; porém não tenho mais idade para acreditar ou brigar por essa fantasia. A real é que talento existe e não há esforço que compense sua falta. Sem talento, suponho que o esforço disciplinado pode nos conduzir à eficiência em muitas áreas do conhecimento/de atuação, mas jamais garantirá a máxima excelência própria daqueles indivíduos que têm o tal Talento. No caso do balé, pelo menos, e julgando a partir das informações que coletei, parece-me bastante evidente que esforço nenhum garante que um bailarino/uma bailarina chegará à posição de Principal numa importante companhia internacional de balé. (Para não estender o assunto, sequer tocarei no lance da grana, berço de nascença e contatinhos.)
Por sinal, uma discussão filosófica sobre Talento me empolgaria demais, pois não sei defini-lo, nem explicá-lo. Ao tentar filosofar sobre talento, empaco no batido e infrutífero "é um je ne sais quoi". No caso do balé, os desafios para defini-lo apresentam-se ainda mais intransponíveis, visto que minha impressão é que não aparenta ser uma mera e isolada questão de refinada técnica.
➛"A Rainha exigiu que Siegfried fizesse uma escolha. Hilel tomou minha mão e fez sua habitual reverência de desculpas. Não é que eu não seja bela e digna. Simplesmente não sou especial. Eu não sou A Escolhida."
Xi, nem conheço a Jenny Nicholson, e já suspeito de que ela não curte balé clássico, pois a maioria dos espetáculos aparentemente se sustentam no trope do The Chosen One/A predestinada (para o bem ou para o mal).
➛"O pas de trois do ato I é um momento de bom destaque, e conseguir o papel de uma das personagens que o compõem é sinal de que as coisas estão indo bem para você na companhia e que talvez você não tenha de passar toda a sua carreira como o terceiro pássaro à esquerda."
Mesmo depois do meu papinho de conformar-se em não ser a grande escolhida, não posso negar que me projetei totalmente nessas bailarinas que dançam o papel do terceiro pássaro à esquerda. De onde vem o ânimo para persistir dançando, quando não se é uma Principal e, pior, quando se sabe que jamais será? É uma carreira tão curta e com tão poucas posições de Principal (aprendi que há os Principals, First Soloists, Soloists... toda uma hierarquia), que não sei como conseguem burlar a frustração e a inveja. Talvez não consigam, né? Sei lá; só sei que, ao me colocar na posição delas, somente a falta de outra fonte de renda me faria permanecer feito estátua no canto do palco, enquanto a outra brilha no centro. (acho)
➛ "Lute agora, enquanto você ainda tem algo com que lutar."
Essa pandemia foi particularmente brutal para bailarinos e bailarinas, se considerarmos o quanto a carreira no balé clássico profissional é breve. Sete meses de interrupção (até agora) é uma preciosidade que jamais recuperarão. Dá dó ler os relatos no Instagram; todos conscientes do que perderam.
➛ "(..) ele tem uma casa, (...) incluindo-se prêmios em dinheiro e patrocínios, creio que ele ganha um milhão de dólares ao ano.Uma bailarina com nível equivalente de sucesso pode ganhar cem mil dólares por ano; um pouco mais se fizer muitas apresentações como convidada em diferentes companhias. Em Nova York, significa dizer que conseguirá alugar um pequeno apartamento de um quarto e ainda ter dinheiro para comprar um shampoo da Bumble and Bumble."
Nesse trecho, a narradora compara um tenista e uma bailarina em estágios similares de carreira, e a comparação me arrasou. É lamentável (acho) que o tremendo esforço e talento desses bailarinos não sejam remunerados à altura. E é estranho que seja assim, se pensarmos o quanto os diretores dessas companhias bajulam os ricaços, sempre chorando por dinheiro para financiar as produções. Poxa, será que a saída não estaria num esforço para popularizar o balé clássico? Se bem que tênis não é nada popular... Arte x Esporte...? Mas... esporte é arte? Entendo naaaada.
➛ O patrocínio individual de bailarinos agora tornou-se algo normal nas companhias de balé. Mediante o pagamento de uma taxa fixa, seu nome aparece ao lado do nome de um bailarino no programa do espetáculo. "As atuações de Tina Ballerina são patrocinadas por Bruce e Brenda Mufunfa". Está provado que as pessoas são mais generosas com os necessitados, caso o necessitado tenha um rosto individualizado, uma personalidade, uma narrativa com a qual elas possam simpatizar. Não significa que os dançarinos tenham de usar o nome de seus patrocinadores nas roupas. (...) Logo, os doadores individuais precisam se contentar com o habitual: bar privado na casa de espetáculo, melhores cadeiras, jantares com os dançarinos, (...)"
Putz, balé é uma parada muito de riquinho middlebrow, né? Agora que espalhei na internet que estou metida com balé clássico, já sei que serei degolada, tão logo aconteça a revolução. Ela está marcada pra quando? Ah, dane-se, pois terá valido a pena. Sou pequeno-burguesa, Sebald; por favor, me perdoe.
Não fiz nenhuma doação financeira (ainda rs), mas, olha, com essas promessas de regalias aí..., sei não, hein; sei não. Tipo, ouvir o Roberto Bolle falar, em italiano (!), sobre Romeu e Julieta, num jantarzinho à luz de velas, a troco de um punhado de euros? Estaria disposta; se rica fosse.
Para falar um pouco mais sério, menciono que alguns desses bailarinos me despertam um amor tão inusitado e inexplicável**, que me imagino facilmente bancando a tonta, dando-lhes todo meu suado dinheirinho. [**= Digamos que, se eu encontrasse na rua aquele bailarino que dançou o solo do Lenski (Atualizando 3: descobri o nome dele! = Jeremy Ransom), estou certa de que o esmagaria num abraço e não soltaria nunca mais.]
➛ "(..) beleza física não significa para nós a mesma coisa que significa para o resto do mundo. Aqui, a pessoa pode ter um nariz torto, um caroço no olho ou uns poucos fios de cabelo, mas se ela for uma dançarina incrível, todos diremos: "Oh, ela é deslumbrante"."
Bem pensei esse tipo de coisa, ao acompanhar essa galera do balé. Esbarrei em uns dançarinos super feiosos (malz aê), mas os fdp são tão talentosos, que, aos meus olhos, viraram anjos que me fazem suspirar.
➛"As pessoas ainda se arrumam para assistir ao balé, e isso é gentil da parte delas."
Ãin, agora fiquei ansiosa. O que vestirei, quando for ao meu primeiro espetáculo de balé?! Providenciarei um vestido incrível, pois quero estar lindona (na medida do possível, veja bem), ainda mais se for para ver o Anthony Madu. Voe alto, Madu!