13/11/2021

저기 멀리서 바다가 들려

Em setembro, postei breves impressões sobre minha primeira assombrosa experiência com dramas coreanos e afirmo que, de lá pra cá, as coisas só pioraram. Ou melhoraram? Nem sei. Direi que melhoraram, pois a Coreia persiste proporcionando alegrias. Há novos dramas sobre os quais adoraria conversar; no entanto, agora venho escrever sobre alguns destaques encontrados quando finalmente explorei mais a sério o K-POP. Escrevi "mais a sério" porque, assim como os k-dramas, eu também já tinha tentado entrar de penetra na festa K-pop e falhado. Por tratar-se de um universo gigantesco e complexo, no passado pedi recomendações a conhecidas que manjam do assunto e, naquelas prévias ocasiões, só recebi dicas de Girl Bands. Com o parco conhecimento ora acumulado, tenho uma teoria do porquê não curti nada do que me recomendaram: a maioria das Girl Bands coreanas cantam Bubble Pop (~ pop fofinho) ou pop com pegada rap (algo, maaais ou menos, à la Nicki Minaj), e eu não costumo curtir esses sons. Enfim, nesta nova empreitada, segui meu caminho sozinha e finalmente consegui descobrir excelentes músicas pop/dançantes para correr, andar de bike, faxinar a casa, tomar banho, dançar; daí pensei que valeria a pena registrar algo deste momento. Apelarei para uma listinha sucinta.

[P.S.: sim, também estou lendo literatura coreana. Já providenciei três livros e, ~qualquer dia desses~, publicarei algo sobre eles.]

📻 VIREI ARMY?! OH NO.
→ O que é necessário pra ser Army? Há limite de idade? Aceitam vovó? Requer trabalho integral? Quanto eu precisaria investir nisso? Minhas escavações ainda não me deram respostas, contudo a verdade é que, sim, dei uma chance ao BTS e estou encantada, bem feito pra mim. ¯\_(ツ)_/¯ Na minha idade, é um tanto vexatório, reconheço. Mas dane-se, até porque afirmo, sem pestanejar, que os rapazes fazem um pop bastante honesto — opa, mais que honesto, com muitas canções ótimas. Inclusive, ousaria dizer que, quanto a Boy Bands, o BTS elevou o nível consideravelmente (seja em música, dança, qualidade das performances). (*Ressalva*:  P- Eu entendo de Boy Bands? R- Não.)

Bom, a apresentação deles no Tiny Desk (NPR), em 2020  [aliás, mal acreditei quando o You Tube me entregou o resultado na busca: "BTS na NPR?! Say what?!"] foi o que me rendeu de vez à banda — poxa, achei a performance bem bacaninha. Além disso, suspeito de que o fato deles estarem mais velhos me ajuda a abandonar tolas resistências. Play! ↷


→ Não citarei todas as músicas de que gosto (há várias extraídas das playlists de hits e da escuta cuidadosa da discografia completa ↦ ainda estou em 2016), porém vale incluir umas coisas que jamais imaginei encontrar e que adorei ("como assim isso é BTS?"). Três exemplos:

esta - Dis-Ease (2020) (refrão super delícia):

e esta - Trivia 起 : Just Dance (2018) (tem um beat firmezinha demais):

e mais esta - Ma City (2016) (Say la la la la la;그래 babe babe 이게 나의 city )

→ O que me divertiu bastante durante esta semana — a propósito, é o que me convenceu a deixar este arquivo no blog — foram as Lives que os membros realizam no site VLive, em especial aquelas com um integrante sozinho. Pra começar a conversa, o rei da porra toda (na minha opinião etc.®): Jeon Jung-kook, vulgo JKaaaaaaaayyy. Na moralzinha, esse maluco simplesmente liga a câmera e fica 1-2 horas falando bobagens aleatórias divertidíssimas com as fãs e/ou (o mais massa:) dando um mini show vestido de pijama (é da LV? menor ideia), com direito a covers e danças mega legais, tudo com um microfone na mão e a música tocando nas caixas de som (isso quando ele não fica enchendo a cara de vinho). Nesse sentido (e nessas lives, ao menos), me lembra o Thom Yorke (caaaalma:), quero dizer, é nítido o quanto ele se diverte e sente prazer em se apresentar para o público, em estar sob os holofotes. Sei lá; acredito que músicos que se apresentam assim — ou seja, sem o sorrisinho protocolar de quem está no palco a trabalho — permitem que haja uma efetiva troca de anima (termo emprestado do Yorke) entre artista e plateia, o que muito admiro. Ah, e quando ele apela para o site Papago, a fim de traduzir tanto o que as fãs escrevem nos comentários da Live, como também o que ele quer dizer pra elas? Puta merda, acho tão singelo, que meu cuore escapa pela boca. A partir dos pouquíssimos comentários das fãs lidos (devo chamar de stans? armies? ajudem a vó!), tenho a sensação de que a predileção por algum dos membros é desencorajada; porém não tem como resistir a esse moço. O Jung-kook me desperta tanto carinho, que só posso desejar que a carreira dele decole para voos ainda mais altos — potencial para carreira solo, ele tem. (*Por favor, não seja cancelado.*) Colo a live que, jizuiz, vi duas vezes nesta semana (ah; claro, a beleza dele não atrapalha nadinha):

 [**sugeriria ver ao menos a partir do ponto 50:45 da Live.]

Meu segundo destaque relacionado às Lives vai para Kim Tae-Hyung, V para as íntimas. Somente encontrei duas até agora, mas adoro o lance meio nonsense, meio lynchiano (calma, estou pensando naqueles vídeos curtinhos que o Lynch solta na internet). Em linhas gerais, o rapaz fica comendo em frente à câmera (um mukbang light, digamos) , com uma postura meio indiferente/desconectada, e é isso aí. Numa live na qual V come, enquanto deixa uma playlist tocando, caí na risada quando ele diz +- "não estão me ouvindo? não importa, essa live é sobre a música, curtam aí o som, enquanto eu como meu sushi". E vale reparar no gosto musical dele: Al Green, Etta James... Contudo Boyz II Men...? Err, embora tenha mesmo boas músicas para karaokê, é um grupo que me deixa meio ~desconfiada~:

Entrego o prêmio de consolação das lives ao Park Ji-min, muito bonitinho ao comentar, morrendo de vergonha, que a corrida lhe tem sido uma forma de aliviar o estresse (está certo!): Link aqui.

→ Impensável fechar o tópico BTS sem parabenizar o responsável pelas coreografias da banda: Sonsungdeuk. Tentei escolher uma coreô favorita, porém não consegui. Talvez a de Idol (?), com muitos passos que lembram os da Sherrie Silver, responsável pela coreô de This is America, do Gambino (meu passinho favorito entrou!). Oh, to be a teenager practicing BTS choreographies with my friends, at Centro Cultural de SP...


→ *O universo BTS definitivamente rende muito assunto que me instiga (a barreira/ponte do idioma — meu tema favorito nesse lance —, a fabulosa relação com as fãs, a estética, a música enquanto poderosa empreitada de negócio e até política pública econômica/diplomática (!) etc), portanto o grupo poderá retornar ao blog.


📻 A seguir, incluo meu solista favorito, uma das maiores glórias desse universo de músicas coreanas dançantes; com muitos trabalhos que seguem uma estética andrógina: TAEMIN! A música que mais ouvi foi Criminal (amo), no entanto colarei o mais recente clipe dele, música Advice, pois é maravilhoso — os passos da coreô! aaaahhhh! 

Por que Taemin não é um estrondoso sucesso mundial?! Ele tem tanta música pop massa, tanta performance incrível; realmente não entendo. Deve ser porque o planeta é habitado por tontas feito eu, que demoram a localizar a fonte do ouro.

*Key -  Não é um solista exatamente favorito, mas o último disco é muito bom, então o incluo. Minha música favorita é Yellow Tape (acho), entretanto opto por esta apresentação de Helium, pois o look e a coreografia são pura perfeição.

P.S.: ambos, Taemin e Key, fazem parte da boy band SHINee, igualmente excelente, gosto bastante.

📻 Este oitavo mini álbum do grupo Seventeen, intitulado Your Choice, é outra delicinha pop. Das seis músicas, só não curto a baladinha final (mas costumo detestar a maioria das baladinhas coreanas, sendo honesta — *exceção: SHINee/Taemin).  Música favorita: Anyone (mas ouvi Ready to Love pra caramba também).


📻 Conforme disse, infelizmente torço o nariz pra maioria das Girl Bands, porém, dentre as artistas solo, esbarro mais facilmente com músicas que me agradam e, até onde pude entender, quem manda nesse parquinho é a cantora Sunmi? Suponho que a música Pporappippam seja a mais famosa dela (ouvi até furar o disco), mas fixarei um achado recente (pra mim, pois a música é de 2013) - 24 hours(24시간이 모자라) (*saliento que necessito explorar melhor a discografia da Sunmi). 

Também tenho a LeeHi no páreo, outra formidável descoberta coreana mais recente (fico com Savior):

🎶

Este papo vai longe (?), portanto até uma possível nova postagem. Bora dançar, Coreia!

05/11/2021

Ne me quitte pas; Je t'inventerai des mots insensés que tu comprendras

L'Âge mûr, de Camille Claudel

 
"É inacreditável a frieza dos homens diante do padecimento de uma mulher abandonada sem compaixão. Ainda por cima, criticam as pessoas e se defendem muito bem."

— Sei Shônagon, O Livro do Travesseiro. 
(*Tradução: Geny Wakisaka, Junko Ota, Lica Hashimoto, Luiza Yoshida, Madalena Cordaro)


Embarquei noutro daqueles devaneios nos quais, partindo de um ponto A, chego a um ponto B; porém sem entender por que fui parar ali. De qualquer forma, é precisamente pra isto que (também) me serve o blog: tentar compreender os percursos até os pontos B's e averiguar se, afinal, o ponto B é um destino pertinente ou uma tola fuga de rota. Pois bem, o início desta conversa fiada corresponde ao filme Camille Claudel (1988), do diretor Bruno Nuytten, no qual Isabelle Adjani interpreta Claudel e Gérard Depardieu encarna Rodin — trata-se da adaptação cinematográfica da biografia de Claudel escrita por Reine-Marie Paris, sobrinha-neta da artista. Considerando-se que meus conhecimentos acerca de Claudel se resumiam à escultura A Valsa e  a "um tal envolvimento com Rodin", suponho que não despertarei suspeitas ao compartilhar que o filme (visto em Maio/2021) me pôs num profundo estado de assombro e desalento. Num vexatório exercício de honestidade, assumirei que minha reação, para além da curiosidade despertada pela obra da escultora, partiu sobretudo do seguinte pensamento: ...mas será que foi disso, então, que escapei (fedendo)? Calma, não estou insinuando ser uma artista que se relacionou com um escultor famosão, mas simplesmente que já interpretei o —inevitável? — papel da mulher abandonada. Deprimente e deplorável, é o que me restrinjo a dizer a respeito da experiência. O caso de Claudel, no entanto, é marcado por certas peculiaridades desconsoladoras: eventos ocorridos no final do século XIX, no seio de uma sociedade francesa moralista e machista; protagonizados por uma mulher solteira de meros 20 anos; uma talentosa artista que, em pleno início de carreira, se envolve profissional e amorosamente com um homem casado de mais de quarenta anos, daí colocando-se deliberadamente à sombra de um artista do porte de Rodin (já renomado naquele período). O sentimento de sororidade fatalmente me conduz à ingênua pergunta "por deus; não tinha ninguém para avisá-la da cagada em que se metia?!", porém basta recordar que falo de uma mulher apaixonada (e jovem; pior) para constatar que qualquer alerta seria inútil. O lamentável resultado para Claudel: a perda da razão, uma carreira artística abortada prematuramente e trinta anos vividos internada num hospital psiquiátrico. O chão me escapa. 


Fiquei tão ansiosa para conhecer melhor o trabalho de Claudel que, no mesmo dia em que vi o filme, comprei no sebo o livro organizado pela Pinacoteca de São Paulo para a Exposição Camille Claudel, a qual ocorrera em 1997 no Ibirapuera, com a curadoria de Reine-Marie Paris. Gravei um vídeo bastante improvisado no qual o folheio, só para dar uma ideia do material — ressalto que gostei bastante dos text  textos de apoio.

 

Quanto à leitura, incluirei na postagem estas breves descobertas:

➽ Trecho de uma das cartinhas que o senhor Rodin mandou a Claudel durante o flerte; permeado de uma profecia reversa tragicômica (ah, a vontade de dar um soco...):
"...Não aguento mais, não posso passar mais um dia sem vê-la. Senão é a atroz loucura. Tudo acabou, não trabalho mais, (...) amo você com furor. (...) não deixe que a horrível e lenta doença atinja minha inteligência, o amor ardente e tão puro que sinto por você. Enfim, piedade minha querida, e você mesma será recompensada."

                                                                                                                    — Rodin, 1883. 

➽ Ao ler algumas das cartas escritas por Claudel durante a internação, restou a impressão de que o senso de realidade da artista fora de fato afetado com repercussões clínicas relevantes em sua capacidade funcional (há recorrentes sinais sugestivos de delírios persecutórios, por exemplo). O que permanece bastante questionável, entretanto, é a indicação clínica de mantê-la internada num manicômio — em especial por 30 anos —, impedindo-a de continuar produzindo (se é que desejava). As críticas dirigidas à conduta da família da artista, em especial ao irmão, talvez tenham fundamento. Transcrevo, a seguir, o fragmento de uma dessas cartas, o qual ilustra meu questionamento (grifos meus):

"Haveria ao menos alguém que tivesse reconhecimento e que soubesse oferecer algumas compensações à pobre mulher cujo gênio despojaram? Não! Uma casa de alienados! Nem mesmo o direito de ter meu canto!... (...) é a exploração da mulher, o massacre da artista a quem querem fazer suar até o sangue."

                                                                                   — Camille Claudel; 03/03/1930 

➽ Conheci melhor a obra de Claudel e, neste post, anoto somente dois pontos: 
(1) A Valsa (1895-1905)

Em minhas observações da escultura A Valsa, jamais enxerguei uma saia vestindo a mulher; a qual, inclusive, fora acrescentada por causa do chilique crítico contra a nudez do casal — no desenho de Claudel, fica claro tratar-se de uma saia. O que sempre enxerguei na peça é a imagem de um casal rodopiando a medida que emerge em explosão a partir das profundezas do mar (sim!, uma escultura em movimento...), motivo da presença de algas — e não saia — vestindo a parte inferior da valsista. De qualquer jeito, minha prévia leitura não é equivocada, pois o texto do livro descreve a obra "como uma concha marinha" (boa, é isso que vejo). No mais, confirmei que as heroínas de Claudel se projetam em direção ao céu num grande voo ou espiral quebrados; a ascendente oblíqua constitui o eixo preferido de suas esculturas. Também adorei saber que a música e a dança fascinam as heroínas da escultora, as quais assumem o papel de uma dançarina hindu mais que europeia, dançando sem pés nem pernas, com os braços, com seus dedos e a cabeça jogada para trás.

(2) A Onda (1897)

Uma vez que vejo mar em tudo, mal pude conter o feliz espanto diante da escultura A Onda (não conhecia); esta quarta dimensão onde a pequenez humana se situa frente à imensidão do mundo; uma confusão imaginária com uma força marinha, o fluxo do desejo, da pulsão carnal projetada fora de si.
 
E, opa, super dialoga com as algas que sempre enxerguei (e continuo enxergando rs) em A Valsa. Adorei demais a obra.



➽ Por fim, destacarei uma passagem do texto O espelho e a noite, escrito por Gérard Bouté, pois será fundamental para o alinhavo final desta postagem (grifos meus):
"Assim como o poeta fala por entre palavras, desvia as palavras de seu sentido por subversão da língua comum, também a escultura de Camille, vibrante, construída como um escape, embaralha o mundo das aparências. Ela é feita do desejo. Metamorfoseia o desejo em amor da forma. Transforma o sentido em energia, faz surgir o sentido do corpo de sua massa."

                                                               — Gérard Bouté, O espelho e a noite. 

Este é o aparente momento And now for something completely different (E agora para algo completamente diferente); contudo prevejo que, ao final deste post, a pertinência deste suposto desvio restará demonstrada. Em meio às reflexões propiciadas pela vida e obra de Claudel, por acaso calhei de ler (pela primeira vez) o lindo poema Tríptico, do português Herberto Helder. A foto do danado está na mão:

(*cobri parte de minhas marginálias, pois sou pudica.😁)

Tríptico é o segundo poema da coletânea Poemas Completos (Tinta da China) do poeta, o que complicou um bocadinho minha leitura, pois, após lê-lo, simplesmente não consegui superá-lo e avançar para o próximo. Os versos de Helder persistiram martelando minha cabeça por dias, e me vi obrigada a buscar análises que me ajudassem a entender meu apego. Não esmiuçarei aqui o poema — malz aê —, mas apenas trarei a imprevista chave de leitura que me interessa para meu devaneio. Com o papo de "amador" pra cá e "amada" pra lá, o eu lírico de Helder acaba sugerindo a imediata e fácil leitura de um amor romântico entre duas pessoas, porém o texto Camões Transformado e Re-Montado: o caso de Herberto Helder, de Rui Torres (li aqui: X) chamou-me atenção à leitura que Maria Lúcia Dal Farra faz de Tríptico, a qual enxerga no poema uma metáfora da própria leitura; assim como da própria escrita, conforme complementado conclusivamente por Torres:
"Maria Lúcia Dal Farra vê, também, neste poema uma metáfora da própria leitura onde o amador é o leitor que vem com seu silêncio e seu ruído, e onde a coisa amada é o texto (FARRA 1978: 87), para depois referir a permeabilidade e o espaço físico representados pela amada como sendo a opacidade do texto (OP. CIT. 1978: 88). 
(...)
Deste modo, não se trataria apenas de uma leitura desmistificante do amor platônico, mas também uma leitura do próprio processo de busca que o poeta realiza na escrita. E isso faz-se através da posse, do texto, esse espaço baía onde o amador-poeta  se renova e se transforma, com ele, transformando o mundo. "

       —  Rui Torres, Camões Transformado e Re-Montado: o caso de Herberto Helder

Relendo o poema com essa nova chave em mãos, um novo fascínio certamente se revelou pra mim. Por ora, guardemos este dado: amador e amada se batendo mutuamente —  Escritor  X  Escrita —, transformando o mundo num ruído áspero; alimentando o silêncio do mundo e do amor. 



Para encerrar esta groselha, incluo a grata surpresa que tive ao ler — motivada pela presença de Camille Claudel  — a obra Paixão Simples, de Annie Ernaux (Editora Objetiva, 1992 - Tradução: Adalgisa Campos da Silva). O livro pegava poeira em minha estante há algum tempo; e lembro de tê-lo adquirido num sebo após esbarrar com os comentários de uma leitora dinamarquesa que afirmara ter encontrado nas palavras de Ernaux um alento para a dor provocada pelo fim de um romance. Além disso, se a capa ilustrada pela escultura O Beijo, de Rodin, não for um sinal de que este era o momento certo de lê-lo, não sei o que mais seria.

Em Paixão Simples, Ernaux rememora seu envolvimento amoroso com um estrangeiro casado (a autora é notória por textos autobiográficos, descobri) e, até certo ponto, o livro oferece ao leitor o antecipado: a descrição de um amor tórrido protagonizado por uma mulher apaixonada que, uma vez tomada pela loucura passional, vive, pensa e respira em função do homem amado. Até aí, beleza; no entanto há, pelo menos, duas cruciais ressalvas:

1. conforme Marylène Caron escreve na tese Annie Ernaux, Passion simple et L'occupation: féminisme, autosociobiographie e passion amoureuse (2014; li aqui: X), Ernaux narra sua experiência amorosa sem o sentimentalismo que facilmente se suporia observar. Longe de lamentar a condição de amante abandonada, a autora analisa sua paixão de maneira impessoal, permanecendo na linha estrita dos fatos e sem jamais perder o foco crítico quanto aos eventos recordados. O resultado é que a narrativa de Paixão Simples desvenda a artificialidade do estereótipo comumente ligado à mulher escritora. 

2. a narrativa de Ernaux reiteradamente confronta o leitor com explícitas reflexões metatextuais — em outras palavras, acerca de seu processo de escrita — que parecem operar à semelhança do que ocorreu com aquela leitura do poema de Herberto Helder, causando-me a sensação de que a autora corroborava a chave de leitura que Dal Farra e Torres ofereceram a Tríptico. Em determinado momento da leitura, comecei a me perguntar se Ernaux rememorava um relacionamento amoroso com um homem ou se, na verdade, discutia a natureza de sua relação (amorosa?) com a própria escrita. Para facilitar a compreensão do que tento dizer, listo alguns pontos discutidos pela narradora ao longo do livro:

- Escrita X Sexo?
"... esta deveria ser a tendência da escrita, esta impressão que a cena do ato sexual provoca, esta angústia e este estupor, uma suspensão do juízo moral."

- Viver uma paixão = Escrever um livro?
"...sensação de estar vivendo esta paixão da mesma maneira que eu escreveria um livro: a mesma necessidade de construir bem cada cena, a mesma preocupação com todos os detalhes."

- Em que modo escreve?
"...agora já não sei em que modo escrevo, se é no do testemunho, vai ver é no da confidência nos moldes da que se encontra nas revistas femininas, no do manifesto ou no do processo-verbal, ou mesmo no do comentário de texto."

- Vergonha de escrever sobre uma experiência pessoal?
"... não sinto vergonha de anotar essas coisas, por causa do espaço de tempo que separa o momento em que elas se escrevem, em que na solidão eu as vejo, do momento em que elas forem lidas pelos outros, que aliás. acho que nunca chegará. (...) (Logo é um erro que nos leva a tachar de exibicionista quem escreve sobre a sua vida, pois exibicionista é quem só quer uma coisa: se mostrar e ser visto na mesma hora)."

- Por que escrever memórias?
"O tempo da escrita não tem nada a ver com o da paixão. No entanto, comecei a escrever para continuar naquele tempo, (...)"

- Escrita X Objetos na evocação de memórias:
"(E continua sendo tão doloroso reler as primeiras páginas quanto tocar no roupão de toalha que ele usava (...). A diferença: estas páginas sempre terão sentido para mim, talvez para outros também, enquanto o roupão — que só faz sentido mesmo para mim — qualquer dia já não evocará mais nada (...)"

- Por que escrever memórias II:
"Queria ver que diferença havia entre aquela realidade passada e uma coisa fictícia. (...) (Será que só eu volto ao local de um aborto? Será que escrevo para saber se os outros já fizeram ou sentiram essas coisas, ou para que encarem normalmente o fato de senti-las. Ou até para que as vivenciem também esquecendo que as leram um dia em algum lugar.)"

- O Tempo na Escrita
"Eu poderia parar na frase anterior e fazer de conta que nada do que se passa no mundo e na minha vida tenha qualquer possibilidade de intervir neste texto. Considerá-lo saído do tempo, em suma, pronto para ser lido. mas enquanto estas páginas forem pessoais e estiverem à mão como hoje estão, a escrita está sempre aberta. me parece mais importante acrescentar o que a realidade veio trazer do que mudar um adjetivo de lugar."


Mediante a leitura dessas passagens, imagino que seja fácil entender por que guardei, da análise de Tríptico, a premissa de que escritor e escrita se batem mutuamente numa relação de amor, transformando o mundo; certo? Caso esse alinhavo ainda esteja embaçado, vale partir para a conclusão à qual a narradora de Ernaux chega, por meio da escrita, quanto à paixão vivida com aquele homem casado (grifo meus): "Medi o tempo de outra maneira, com todo meu corpo. Descobri do que a gente pode ser capaz, isto é, de tudo. Desejos sublimes ou mortais, ausência de dignidade, posições e atitudes que eu condenava nos outros antes de recorrer a elas. Sem saber, ele me ligou mais ao mundo."  

No livro Lembrar Escrever Esquecer — li na sequência, incentivada pelas reflexões de Paixão Simples — , Jeanne Gagnebin me apresentou sumariamente ao pensamento de Paul Ricoeur, e confabulo que possivelmente as ideias de Ernaux sobre a escrita se aproximam bastante ao que esse filósofo francês defende quanto à hermenêutica do si pelo desvio necessário dos signos da cultura (destaque para o segundo volume de Tempo e Narrativa). Para sustentar a hipótese, trago este trecho escrito por Gagnebin (grifos meus):
"O segundo volume (Tempo e Narrativa)... Só queria ressaltar o sentimento muito forte que se apodera do leitor, enredado (!) pela estratégia narrativa de Ricoeur. O sentimento de que somente a arte da narração poderia nos reconciliar, ainda que nunca definitivamente, com as feridas e aporias de nossa temporalidade. (...) O tempo nos escapa e, por ele, como que escapamos a nós mesmos; mas a retomada dessa fuga na matéria frágil das palavras permite uma apreensão nova, (...) Uma nova apreensão que, ao criar sentidos, fugazes eles também, permite jogos ativos com o(s) tempo(s) e no(s) tempo(s) (...)"

                     — Jeanne Gagnebin; Uma Filosofia do Cogito Ferido: Paul Ricoeur. 

Com o artigo De l’écriture « comme un couteau » à l’écriture « dans le vif » : Le vrai lieu d’Annie Ernaux (li aqui: X), publicado pela pesquisadora Mariana Ionescu, pude confirmar que o projeto literário de Ernaux efetivamente visa registrar a todo custo a passagem do desejo carnal à escrita, de modo a conferir sentido à opacidade de suas experiências — um sentido não só individual, mas também coletivo; ou seja, a autora pretende intervir em si e no mundo. 

Portanto, após todos esses paralelos estabelecidos, inevitavelmente questionei se essa não foi a saída que escapara a Camille Claudel. Digo; no começo deste post, transcrevi as palavras de Bouté, segundo as quais a escultura de Claudel embaralha o mundo das aparências, metamorfoseia o desejo em amor da forma e transforma o sentido em energia, certo? Então, assim como a escrita é capaz — vide o que aprendi com Helder, Ernaux, Ricoeur, Gagnebin —, será que o amor vivido na escultura também não poderia ter permitido a Claudel reconciliar-se com a dor do abandono? Mediante continuidade de seu trabalho como escultora, Claudel  não teria encontrado um sentido para sua experiência e um novo jeito de habitar o mundo? Ou ainda: ela não teria se transformado numa pessoa mais ligada ao mundo (usando palavras de Ernaux), em vez de desconectada dele? Dada a impossibilidade de obter uma resposta categórica às minhas indagações (e de mudar o passado), me resigno a encerrar este alinhavo lamentando profundamente o que ocorreu a Claudel, desejando que a artista finalmente esteja em paz.

25/09/2021

Beloved (Amada) - Toni Morrison


[* As falas de A.S. Byatt e Ignes Sodré foram extraídas do livro Imaginando personagens - seis conversas sobre escritoras; Civilização Brasileira 2002 (Tradução: Roberto Mugiatti)]

Daniela: Olá, Ignês Sodré e A.S. Byatt. Muito obrigada por aceitarem conversar comigo a respeito de Beloved (Amada). Ah, considerando-se que Morrison foi uma autora que discutia aberta e generosamente a própria obra, selecionei algumas de suas falas que julgo relevantes para o entendimento de Amada; as quais incluirei ao longo de nossa conversa, a depender do que estejamos discutindo, ok? Um recurso para que a autora participe do nosso papo.
Daniela: Bom, comecemos do começo, certo? A primeira frase do livro — "124 WAS SPITEFUL."  — já me pôs num estado de confusão. O pronome interrogativo que prontamente me veio à cabeça foi "QUEM", quero dizer, quem é 124? — por conta do adjetivo escolhido pela autora —, de modo que tive de avançar um bocadinho até entender que 124 não é uma pessoa exatamente (controverso, talvez), mas uma casa.


Ignes Sodré: Olá, Daniela e Byatt. Sim, a casa é o primeiro personagem, o segundo personagem é o bebê que não sabemos quem é, mas que é bastante poderoso, que controla a casa. 


A. S. Byatt: Olá, Daniela e Sodré. Inclusive, é um bebê que faz coisas mágicas, como quebrar espelhos e deixar marcas de mãos em bolos. E isto é em parte cômico, o tom do texto tem um tipo de forte energia cômica.


Daniela: Energia cômica, Byatt?! Puxa, discordo, hein. A única parte, ou melhor, diálogo que achei engraçado foi aquele próximo ao final, no qual Paul D e Stamp Paid questionam se Sethe seria tomada por instintos assassinos sempre que visse um branco pela frente. Os dois riram; eu, não nego, ri junto. 


Ignes Sodré: De qualquer maneira, a narrativa, de fato, traz a gente logo para dentro desse mundo completamente diferente — pisamos dentro do 124 como os personagens o farão: do mundo exterior comum para o estranho mundo do 124, um mundo dominado por este bebê fantasma. É escrito de um modo que nos faz ser atraídos para o 124.

Toni Morrison: "Eu queria que o leitor fosse sequestrado, lançado sem dó para dentro de um ambiente estranho, o que seria o primeiro passo em direção a uma experiência compartilhada com a população do livro — assim como as personagens foram arremessadas de um lugar para outro, de qualquer lugar para qualquer outro, sem preparo ou sem defesa."

Daniela: "Atraídos" é uma palavra forte, Sodré. Eu, pelo menos, me perguntei se queria/deveria, afinal, entrar ali. O início do livro me despertou medo e indagações do tipo "quero mesmo entrar e passar tempo numa casa onde um fantasma comete atrocidades contra um cachorro?!" 
Daniela: Mas enfim, acabei entrando e ficando. No entanto, durante boa parte da leitura, persisti matutando acerca do número "124", até que a ficha caiu lá pela metade (meio lerda, eu sei): trata-se de uma progressão aritmética que remete a uma árvore genealógica. Por sinal, uma árvore* que espelha outras do livro: aquela chicoteada nas costas de Sethe e aquelas floridas, que guiaram Paul D à casa (*uma dentre várias imagens bíblicas do livro). O 1 seria Baby Suggs. O 2 seria Sethe (com certeza), e quem mais? Halle ou Paul D? O 4 representaria os quatro filhos de Sethe: Howard, Buglar, Beloved e Denver. 
Daniela: E voltando ao medo inicial que senti; compartilho que Amada foi o segundo livro a invadir meus sonhos — o sonho ocorreu logo na primeira noite pós início da leitura. Sabem qual foi o primeiro? Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Meu inconsciente, pelo visto, se alarma quando confrontado pelo coro de fantasmas vítimas de violências atrozes. Ele se perturba em face de narrativas fragmentadas que não se revelam de imediato, encarado como aparente ameaça, não sei bem. 

Toni Morrison: "A escravidão é um terreno sem caminhos. Convidar os leitores (e eu mesma) para dentro de uma paisagem repulsiva (escondida, mas não completamente; deliberadamente enterrada, mas não esquecida) equivale a armar uma tenda num cemitério habitado por fantasmas altamente vocais."

A. S. Byatt: Entendo. "Eu sou Amada e ela é minha" é um eco do Cântico dos Cânticos. Alguém está dizendo: "Eu sou Amada, e portanto ela é minha", mas podia ser Denver falando, podia ser Amada falando, podia ser Sethe falando. São todas mulheres negras que perderam. São todas pessoas mortas também, eu creio, dizendo: "Embora eu esteja debaixo da grama, eu sou amada." Então a voz que fala se move para dentro do navio negreiro enquanto ainda é a voz de Amada na sepultura.


Ignes Sodré: Isso enfatiza a importância do livro não fazer sentido à primeira leitura: o que aconteceu no passado é tão insuportável que só pode ser apreendido de uma maneira fragmentária. O leitor tem que sentir que a história só pode ser contada lentamente em pequenas migalhas, de outro modo seria impossível de digerir.


Daniela: Exato, Byatt e Sodré. Meu começo de leitura foi estranho; sobretudo porque não me sentia segura quanto à plena compreensão do que lia. Cheguei a dar uma passada de olho em comentários de leitores no Goodreads, a fim de sondar se minha inicial desorientação era normal — era. No entanto, captei rapidamente o que Morrison estava fazendo com aquela narrativa, e a leitura passou a fluir mais fácil.
Daniela: Inclusive, achei bem engraçado quando a autora, numa entrevista, disse haver leitores que a abordam perguntando "mas onde precisamente está a descrição do que Sethe fez contra Amada?". E é aquilo: a descrição está lá, mas não está; ao menos não explicitamente, numa tacada só. Assim como também não se faz presente com requintes de detalhes, perversidade e/ou sadismo.


Ignes Sodré: Verdade, Daniela. Você não só sente que nada sabe a respeito do muito que está sendo contado, mas sua imaginação pode correr temporariamente para o lugar errado, para ser corrigida depois por outros pedacinhos de interpretação.


A. S. Byatt: Com Morrison, você precisa ler cada palavra. A little old babyUm pequeno velho bebê, por exemplo, é linguagem coloquial e, no entanto, no momento em que este bebê está morto, ele se torna o Deus, ele se torna toda a história da sua raça. E, de certo modo, os mortos são velhos porque são parte do passado e dos ancestrais.


Ignes Sodré: Sim, existe nas personagens uma qualidade mítica, uma vez que são descritas em grande detalhe como indivíduos, mas também representam seu passado e sua raça. Além disso, as personagens são pessoas que passaram por experiências tão insuportáveis que têm de estar engajadas em batalhas com suas próprias mentes. 


Daniela: Impossível não falar da questão da memória neste livro, não é? A própria forma narrativa a respeito da qual estamos comentando reflete a relação que as personagens estabelecem com suas memórias. Na introdução de Beloved, Morrison afirma a pretensão de criar um contexto onde o esforço hercúleo para esquecer estivesse ameaçado pela memória desesperada por permanecer viva. 


Ignes Sodré: Sim, pois este romance é essencialmente sobre a memória, sobre personagens que não querem se lembrar, escrito por uma autora que é poderosa na ênfase de que não devemos nunca esquecer. A memória e a lembrança estão ligadas para manter vivos na mente aqueles que morreram e, portanto, com todo o processo de luto, que implica tanto manter uma relação interna com os mortos como também elaborar a perda. Isto é naturalmente o que Sethe não pode fazer: ela está tão ocupada pelo fantasma deste bebê, que um processo normal de luto não pode acontecer. 
Ignes Sodré: O luto é necessário para que a vida possa continuar no presente, mas o desejo de cada personagem de obliterar o passado rompe este processo na verdade. Quando lembrar é tão intolerável, não pode haver distanciamento gradual do passado.


Daniela: Correto; e me agrada a complexidade com que Morrison trata o tema, sem apelar para trivialidades. A importância da preservação da memória mediante transmissão oral entre gerações, por exemplo, surge belamente no livro, por meio das histórias que Baby Suggs e Sethe contam para Denver, quem, por sua, vez, as conta para Amada — papel que Morrison também assume ao escrever Beloved. No entanto, a memória não é retratada com absoluto preciosismo; quero dizer, consigo identificar no texto elementos sugestivos de que a autora concorda com estas palavras de Todorov: "Sacralizar a memória é uma outra maneira de torná-la estéril." 
Daniela: A título de ilustração, menciono as pregações de Baby Suggs à comunidade, nas quais a personagem reforça a todos que a única graça que podiam ter era aquela que pudessem imaginar. Nessa fala, enxergo um claro apelo à necessidade de rememorar o passado de forma não paralisante; isto é, rememorá-lo visando recriar o presente e imaginar o futuro. Como Sethe poderia ter sobrevivido para viver seu presente e imaginar para si um novo futuro, caso tivesse deixado ser engolida por Amada, seu passado materializado? — "But her brain was not interrested in the future. Loaded with the past and hungry for more, it left her no room to imagine, let alone plan for, the next day." 

Daniela: Como outro exemplo, registro esta frase assombrosa do livro, a respeito dos negros livres que estavam conquistando espaço de destaque na sociedade: "In addition to having to use their heads to get ahead, they had the weight of the whole race sitting there. You need two heads for that." (Mais ou menos: Além de terem de usar a cabeça para seguir em frente, eles têm o peso de toda uma raça sobre si. É preciso duas cabeças para isso.) 

Daniela: Trouxe essa citação em particular porque, no livro The Wedding, a americana Dorothy West, ao abordar gerações familiares de negros americanos, me chamara atenção para o peso brutal que recai sobre as gerações mais novas. Por mais que a transmissão da memória seja importante, ela também acarreta o risco de impor às gerações negras mais novas a sensação de uma dívida que seria impossível de ser paga aos seus antepassados, que tanto sofreram e batalharam. Assim, a frase que destaquei de Morrison, em Amada, me remeteu novamente às reflexões que tive com o livro de West. É terrível, pois me faz pensar numa perversa perpetuação de violência mediante uma memória sacralizada.

Toni Morrison: "Não queria que as memórias e o passado de Sethe fossem abstratos, eu queria que ela sentasse à mesa com aquilo que tentava evitar e explicar; uma forma de dizer que o passado é isso, é algo vivo que somos obrigados a confrontar."


A. S. Byatt: Morrison descreve a memória de Sethe como uma criança voraz, o que significa que o fantasma de Amada se identifica com sua memória que não a deixa ir embora. Mas isto nos traz uma grande ambivalência na história, porque tanto em Paul D quanto em Sethe sua força é sua capacidade de lembrar e de não serem destruídos.


Daniela: Verdade, Byatt! Você me fez lembrar que o livro destaca o valor de termos pessoas em nossas vidas com as quais podemos compartilhar e dividir o fardo de memórias dolorosas — uma expressão de amor* mediante a memória...? —; o que aparece nesta tocante frase: "The mind of him that knew her own. Her story was bearable because it was his as well—to tell, to refine and tell again." (*: tema crucial na obra de Morrison.)


Ignes Sodré: Outra coisa em relação à memória é que Amada tem uma memória tão fragmentária. Tem apenas fiapos de memória que vêm do outro mundo ou de alguma infância psicótica vagamente lembrada. Quase sem ter memória, ela não se sente uma pessoa real: ela é estranha, ela não consegue se comunicar.


A. S. Byatt: E por ela ter furos de memória, ela possui furos no ego. Suas memórias têm uma qualidade fragmentária que as memórias de nossa infância possuem. Isto se encaixa com aquela cena em que Amada sente que está caindo aos pedaços. 
A. S. Byatt: Além disso, os brancos que lerem este livro devem ser capazes de se inteirar de uma história que não vivenciaram mas que deveriam conhecer. É onde um romance difere de nossas próprias memórias. Porque, uma vez que leu, você adquiriu memórias que talvez não gostasse de ter, mas como o livro é tão forte você agora as tem e elas são parte de você.


Daniela: Byatt, acho que sua reflexão serve para propor que livros também funcionam como objetos mediantes os quais esbarramos com rememórias que não nos pertencem, conforme Sethe explica a Denver em relação a lugares, neste trecho do livro: "Someday you be walking down the road and you hear something or see something going on. So clear. And you think it's you thinking it up. A thought picture. But no. It's when you bump into a rememory that belongs to somebody else."


A. S. Byatt: Vamos falar de Sethe. O romance se baseia numa história verdadeira, de uma mulher que matou seus filhos para não serem devolvidos à escravidão. É ousado para uma romancista escolher alguém que cometeu tal ato como protagonista e então fazer com que você a ame, simpatize com ela. Ela o faz inventando uma mulher cujos poderes de amar são fortes. Você a considera psicologicamente convincente, Sodré?


Ignes Sodré: Inteiramente convincente, e acho que minha simpatia por Sethe é absolutamente constante ao longo do livro, o que é extraordinário. Reagimos à intensidade da sua dor e ao horror da tragédia, mas nunca, em nenhum momento, contra ela, porque acreditamos em seus motivos.


Daniela: O ponto é que, sem termos passado pela violência extrema da qual Sethe fora vítima (destino que ele pretendia evitar aos filhos), não temos ferramentas, quiçá o direito, para condená-la sumariamente pelo que fez — aliás, nem é preciso, visto que Sethe assume a função de sua própria juíza implacável. Você perguntou, Byatt, se Sethe seria "convincente", mas acredito tratar-se de uma pergunta despropositada, sobretudo quando sabemos que o mote principal de Amada de fato ocorreu, digo, Margaret Garner existiu. Conforme afirmara Morrison, esse evento é maior do que a linguagem. Ao escolher narrar esses fatos, Morrison escolheu narrar o indizível (o que também corrobora a forma escolhida pela autora). 
Daniela: Por outro lado, penso haver, sim, espaço para ponderações morais acerca do ato de Sethe, as quais me remetem àquele que considero ser um dos temas principais da obra: a maternidade. A meu ver, no instante em que Sethe assassina a filha, ela esquece de que aquela vida não a pertence; quero dizer, o fato de ela ser uma mãe amorosa não a confere o direito de dispor da vida daquele ser humano como bem entendesse, assim como faríamos com aquilo que possuímos. É o paradoxo vivido pelas mães e pais, creio: sentem-se num estado uno com seus filhos, porém, simultaneamente, têm de aceitar que aquelas vidas não os pertencem, que os filhos não são eles — e vice-versa. Morrison, em entrevista, afirmou algo nesse sentido:
Toni Morrison: "Ela reivindicou aquilo que não tinha o direito de reivindicar; a propriedade de seus filhos. Decidiu que podia não só ditar a vida deles, como acabar com ela. E quando sabemos, assim como ela sabia, qual seria o futuro daquelas crianças, não é tão difícil entender a decisão dela."
Daniela: A autora comentou ainda que, quando lera o artigo sobre o fato — a história de Margaret Garner —, enxergou nele ideias relacionadas à compulsão pelo cuidar, à ferocidade que acomete uma mulher que se sente responsável por uma criança e, ao mesmo tempo, a tensão de ser uma pessoa separada, completa. Suponho que o fato de eu não ter vivido a experiência materna seja responsável pelo assombro e medo que o dito amor materno me desperta. Sem dúvidas a maternidade vincula-se, no livro, às noções de sufocamento, posse e obsessão que beiram a loucura. Em outras palavras, não nego enxergar pertinência na assertiva de Paul D: Your love is too thick. Também gosto desta frase acerca do amor de Sethe: Locked in a love that wore everybody out.


Ignes Sodré: O bebê também expressa uma feroz possessividade composta de amor e ódio: ódio à mãe que é uma entidade separada.


A. S. Byatt: Outra ideia que me vem à mente é a da sanguessuga, porque Amada é como uma sanguessuga, carrapato ou vampiro sugador de sangue, que tira a vida de você.


Daniela: Curiosos seus comentários, pois afirmo que esse livro, em várias passagens, me remeteu a cenas do filme Alien, no que refere-se à relação da mãe com sua filha fantasma materializada. Tudo muito assustador. Parafraseando novamente Paul D, é too thick pra mim, não dou conta; meu espírito é afeito a amores mais serenos — defeito meu? Qualidade? Vai saber.
Daniela: Conjuntamente, quanto a esse tema, é forçoso ressaltar um aspecto particular da obra: estamos falando de mulheres que foram impedidas de vivenciar plenamente suas maternidades. Essas personagens são mulheres negras forçadas a procriar como animais, sem que lhes fosse garantido sequer o direito de dar um nome aos filhos. Baby Suggs foi mãe de oito crianças, filhas de seis pais diferentes, cujos paradeiros ela desconhece e sobre as quais só se recorda que uma delas gostava de pedacinhos de pão queimado. Sethe não pôde criar vínculos com a própria mãe, sendo amamentada por uma escrava designada para esse papel. É muito, muito cruel. 
Daniela: Também interessante é quando a narrativa nos evidencia que, por consequência, não havia uma comunidade de mulheres formada e consolidada para servir de suporte mútuo na dura tarefa que é criar e ser responsável por uma criança. Fiquei profundamente tocada quando Sethe desabafa que, na criação de seus filhos, não tivera uma outra mulher a quem pedir ajuda, uma orientação, restando obrigada a descobrir sozinha seus caminhos maternais: "I wish I'd a known more, but, like I say, there wasn't nobody to talk to. Woman, I mean. (...) It's hard, you know what I mean? by yourself and no woman to help you get through." 


A. S. Byatt: Sobre isso, a propósito, temos a tendência de pensar em termos do romance europeu do século XIX, que é sobre tensões familiares e pessoas tentando romper com a família — temos aqui um romance que é sobre pessoas às quais esta estrutura humana básica é negada pela estrutura social dentro da qual elas vivem. Por isto, é quase mitológico para Sethe que ela deveria ser mãe de vários filhos e amá-los, cuidar deles, sustentar a todos.


Ignes Sodré: Sim. Por exemplo, Sethe diz que Halle era como um irmão para ela. Esta intimidade é necessária não por causa da implicação incestuosa, mas porque eles não tinham nenhuma família.


A. S. Byatt: Os negros de Sweet Home se integram numa espécie de família artificial, embora sequer tenham nomes de verdade; ninguém é a mãe de ninguém e ninguém é o pai de ninguém. Alguns têm os mesmos nomes. Ainda assim, eles se ligam numa família que funciona enquanto estão juntos. 


Daniela: Esse destaque para a significância de fortes laços comunitários (sobretudo entre mulheres), é um dos artifícios dos quais Morrison lançava mão para explorar o tema que lhe era tão caro: o amor e a bondade, o Bem. Conforme expôs numa palestra que proferira na Harvard Divinity School, Morrison pretendia que sua obra firmasse contraponto à marcante presença do Mal na literatura contemporânea, o qual, na visão dela, habitualmente surge envolto por ares sedutores e inteligentes, em contrapartida aos tons de asneira reservados para o Bem. Ou seja, a autora era comprometida em narrar o Bem / a Bondade sem os corriqueiros marcadores narrativos do humor, tolice e/ou ironia; e, nesse sentido, o suporte comunitário desponta como uma dos artifícios temáticos aos quais Morrison recorria para atingir seu objetivo. 
Daniela: No entanto, acredito que a autora acaba caindo noutra comum arapuca literária das narrativas acerca do Bem: um caráter excessivamente religioso; especificamente, cristão. Sinto haver, nas entrelinhas narrativas de Beloved, a tese de que o caminho para o Bem e a Bondade passa necessariamente pela fé em Deus e pela estrita observância dos ensinamentos de Jesus Cristo — esse aspecto do livro, aliás, me remeteu bastante ao Victor Hugo, em Os Miseráveis
Daniela: Nos trechos em que a prosa reveste-se de pesados tons bíblicos, trinquei os dentes, não nego; sobretudo porque imagens do terço final do O Mundo se despedaça, de Chinua Achebe, teimavam em voltar-me à mente nestas ocasiões. Para além disso, parecem-me inquietantes as breves frases nas quais até o narrador em terceira pessoa de Beloved, que sequer é personagem do livro, nos denuncia sua fé cristã. Enfim, mentiria se dissesse que isso não me despertou certo enfado. Pera, minto: curti demais o trecho no qual as personagens ponderam que Jesus Cristo, tal qual Amada, não deixa de ser um fantasma que sofreu em vida e não foi embora. GÊNIA! Está na mão a passagem:
"You know as well as I do that people who die bad don't stay in the ground."
He couldn't deny it. Jesus Christ Himself didn't, (...)"


A. S. Byatt: De fato, Morrison recorre à linguagem bíblica e cristã em Amada, como o faz em toda a sua obra, mas eu a vejo usando estas histórias de uma nova maneira, porque a história cristã também apresenta grandes figuras míticas sofredoras das quais se pode extrair força, mais do que sentir que elas exigem que se parta para a perseguição e vingança. 
A. S. Byatt: E isto me leva ao nome de Amada, que vem do Cântico dos Cânticos, atribuído a Salomão: "Minha amada é minha, e eu sou dela" (Cântico dos Cânticos 2:16) Acho que a imagem da boa pessoa sofredora, de quem você pode aproximar-se para também tornar-se boa, sublinha o que Toni Morrison pode fazer com um romance e o que os romancistas europeus perderam ao fazer pessoas boas, conforme você comentou, Daniela.


Ignes Sodré: E Sethe tem fé na possibilidade de uma relação inteiramente boa e por isso é capaz de entregar seus filhos a estranhos. Não é apenas o horror de sua posição, não é o desespero. É o apego à certeza de que a bondade existe, contra a prova de tanto mal. Esta certeza é o que Baby Suggs finalmente perde: o momento em que ela se fragmenta. A crença na bondade—sua existência como uma realidade psíquica—é a única coisa que torna possível esta vida absolutamente intolerável. 


Daniela: Contudo, Sodré, há uma fala de Sethe que, depois do que você disse, preciso incluir: "I birthed them and I got them out and it wasn't no accident. I did that. I had help, of course, lots of that, but still it was me doing it, me saying, Go on, and Now. Me having to look out. Me using my own head." Ou seja, considerando-se as críticas que fiz ao tom cristão de Amada, preciso admitir que a narrativa não constrói personagens passivas, digo, que esperam que Deus resolva seus problemas sem que elas mesmas movam uma palha para isso. Na fala que destaquei, Sethe reconhece os muitos auxílios com os quais contou durante seu percurso (inegáveis e, certas vezes, cruciais), mas isso não a refreia de asseverar que, no fim das contas, a ajuda e feitos maiores tiveram de partir, em primeiro lugar, de si própria. 
Daniela: No mais, essa relação com o Cântico dos Cânticos, para a qual Byatt chama atenção, me ajudou a compreender melhor a enorme ambivalência que detecto em Amada. Teoricamente trata-se do fantasma de uma criança assassinada pela mãe e que, estranhamente, se materializa no corpo de uma mulher adulta que, por diversas vezes, exibe comportamentos eróticos em relação à mãe e atitudes ardilosas similares à própria serpente do Éden — e cenas do filme Us, do Jordan Peele! É tudo muito perturbador, porém este trecho sobre o Cântico dos Cânticos, escrito por Francis Landy (tradução: Raul Fiker), elucidou muita coisa a esse respeito: "O amante é um estranho que representa, em sua heterogeneidade, o mundo que devemos tornar nosso; o corpo do amante é explorado, com todas as suas possibilidades multiformes de significado e ação, seus extremos de repulsa e atração, sua vulnerabilidade e risco. O corpo está sujeito à morte, e desse modo a uma preocupação em que há sempre um elemento de ansiedade. (...) o amor materno é o arquétipo do amor, que todos os amores subsequentes reconstituem : os amantes representam essa relação primordial."


A. S. Byatt: Amada também é Cristo, ela é ou o demônio ou o salvador, ela é o cordeiro sofredor sacrificado que foi morto em favor do povo. "Muitas águas não podem..."— estou certa de que esta imagem sustenta e fortalece a imagem de Amada no fundo do rio. E o Cântico dos Cânticos é uma extraordinária mistura da imagem sexual e amor religioso, amor de sacrifício e amor paterno. Parcialmente sugere uma espécie de incesto, creio.


Daniela: Ah, olha só, então não estou doida quando enxergo uma forte dinâmica incestuosa entre Sethe e Amada. Bom, ainda há muito o que discutir quanto ao livro — liberdade, cores/colorismo, símbolos (água, sangue, leite, seios), masculinidade, amor, escravidão na literatura... — mas já tomei demais o tempo de vocês. Agradeço-lhes pela paciência de conversarem comigo, Byatt e Sodré.


Ignes Sodré: Foi um prazer. 


A. S. Byatt: Até mais. 
Toni Morrison: "Quanto aos críticos que me acusam de escrever personagens maiores do que a vida, entendo que eles estariam dizendo que a vida é pequena. Minhas personagens não são pequenas, elas são, na verdade, tão grandes quanto a vida, que é realmente enorme." 

22/08/2021

Lendo Contos| O Aleph - Jorge Luis Borges / Emma Zunz

 (Editora Companhia das Letras / Tradução: Davi Arrigucci Jr.)

A poeta Aline Aimée, do ótimo canal (no You Tube) Chave de Leitura, disponibilizou resenhas em vídeo para cada um dos contos da coletânea O Aleph, de Jorge Luis Borges (link aqui). Aproveitando a chance de poder contar com alguém para enriquecer minha experiência de leitura, tentarei incluir postagens em resposta aos vídeos da Aimée. Um clube de leitura formado por duas leitoras, maaaaais ou menos. A sequência proposta para o post é a seguinte:

Leio o conto > Escrevo e registro minhas impressões gerais  >
> Assisto ao respectivo vídeo da Aline Aimée > Complemento as impressões com as novas informações e reflexões.


** RISCO DE SPOILERS **


[Impressões pessoais após a leitura do conto:]

A primeira leitura de Emma Zunz me deixou no vácuo, causando-me a sensação de um ponto fora da curva borgiana (daquela que ora conheço; claro). Daí, optei por deixar o conto encostado, relendo-o vez ou outra, na esperança de que meu inconsciente o digerisse e me regurgitasse algo — ou, como habitualmente ocorre, na esperança de que eu esbarrasse numa obra que me ajudasse a melhor compreendê-lo. Hoje me dou conta de que um ano e meio já se passaram (!) e: nada. Ou quase nada. Não nego persistir um bocado encafifada com Emma Zunz, mas decidi que é hora de embarcar no esforço de organizar as ideias, sobretudo porque as recentes leituras/reflexões que fiz acerca de romances policiais (ajuda recebida de Georges Perec + Todorov) me sopraram que os paralelos que costurei, desde a primeira leitura, com outros dois romances é um ponto de partida bastante legítimo. 


Não sei se a ausência de romances policiais/thrillers entre minhas leituras justifica, mas é fato que não costumo me deparar com passagens literárias que descrevem personagens executando o plano de assassinato de outro ser humano. Possivelmente por isso — também não sei se justifica — certas imagens de Lolita e Ruído Branco, relativas exatamente a tais descrições, ficaram gravadas em minha memória, feito cicatriz. Logo, não me surpreendeu ser transportada de volta, pelas mãos de Emma Zunz, aos instantes nos quais Humbert assassina Clare Quilty e Jack (quase) assassina Mink. Dessa maneira, refleti em conjunto as experiências dessas três personagens e, a seguir, listarei algumas questões relevantes que pude identificar. [Disclaimer: faz muito tempo que li Lolita e Ruído Branco; portanto, ao apelar às minhas lembranças, é possível que eu incorra em imprecisões.]

(1) Os momentos preliminares, que prenunciam o bote
Chama atenção o quanto os autores investem na longa descrição — minuciosa, sem pressa; em flagrante oposição ao estado psíquico da/o assassina/o — daqueles instantes que antecedem o assassinato; resultando numa dramaticidade e suspense que, comicamente, me remetem à forma com que documentários sobre animais narram, sei lá, o leão se preparando para matar a zebra. Ora, o conto de Borges, sendo um tanto estrita, constrói-se apenas mediante tal artifício descritivo. Aliás, é muito provável que esse aspecto formal — do qual resultam imagens tão cinematográficas e vinculadas a sentimentos de intensa excitação — seja o efetivo responsável pela marcação das cenas de Lolita e Ruído Branco em minha memória de leitora. Além disso, é curioso que Nabokov tenha escolhido o período diurno para ambientar a preparação de Humbert, pois a noite, escolhida por Borges e DeLillo, aparenta ser um momento mais seguro para que o autor consiga provocar no leitor a almejada tensão/expectativa.

Outra noção marcante dessas descrições corresponde ao perfil dos caminhos por onde as personagens passam antes de proferir o golpe final; espécies de labirintos oníricos escondidos nos espaços urbanos. No livro Crime Fiction (The Cambridge Companion), Laura Marcus comenta que, segundo Chesterton (queridinho de Borges, por sinal), a ficção detetivesca é a poesia da cidade inscrita em hieróglifos urbanos; o que, na opinião de Marcus, abriria esse gênero na direção de duas ordens: aquela em que razão e lei prevalecem e, em oposição, aquela marcada pelo enigma e o fantástico. No conto de Borges, Emma Zunz serpenteia pelo porto [lembrei da segunda temporada de The Wire (HBO), ambientada no porto de Baltimore! coincidência? duvido], por bares e vielas; Jack (Ruído Branco) dirige por vias escuras, desérticas, locais que, dada a descrição de DeLillo, sequer lembram este mundo. Opa!, fisgarei essa deixa para lançar uma pergunta: o plano de assassinato exige que as personagens adentrem noutra realidade?? Ou mesmo que construam outra realidade na qual entrar? Suponho ser exatamente isso. O crítico Floyd Merrell explana bem o processo de construção da nova realidade, no qual incorre Emma Zunz (traduzo livremente):
"... Emma Zunz é bastante pragmática. Ela reconstrói sua realidade de modo que passe a atender a seus propósitos. Ela deseja vingar o pai, cuja morte decorreu largamente das ações exploradoras e repressoras do chefe. Então ela perde a virgindade para um marinheiro e, depois, atira no chefe do pai, contando à polícia que o morto a havia estuprado e que, portanto, ela meramente se defendeu. A realidade de Emma é dolorosamente real, (...) ela usa seu mundo da melhor forma que conhece, conformando-se a ele, ao mesmo tempo em que rebela-se contra suas injustiças, a fim de atingir seu objetivo."

                                            — Floyd Merrell; The Cambridge Companion to Jorge Luis Borges 

É importante ressaltar que, conforme a leitura desse trecho crítico aponta, os assassinos são sujeitos ativos nesse processo de remodelação da realidade; quero dizer, são eles próprios quem deformam a realidade (ou: constroem a nova realidade), para que ela passe a se alinhar aos seus interesses prementes naquele instante específico — que, no caso dessas três personagens, relaciona-se ao ímpeto da vingança. E, como estamos falando de Borges, é óbvio que esta nova realidade pertence, igualmente, a um Tempo diverso: "Naquele tempo fora do tempo, naquela desordem perplexa de sensações desconexas e atrozes,...".

Acrescento que, ao folhear Ruído Branco antes de escrever este post (o li em 2019), reencontrei uma passagem que me fez reparar noutro aspecto peculiar: esses assassinatos ocorrem em espaços fechados; digo, Emma, Humbert e Jack entram (ou invadem, como queira) uma casa, a fim de cometer o planejado assassinato. Esse movimento de passagem, do aberto para o fechado, também me parece significativo para a hipótese de transição entre realidades distintas. Transcrevo o intrigante trecho de Ruído Branco ao qual me refiro:
"By coming in here, you agree to a certain behavior," Mink said.

"What behavior?"

"Room behavior. The point of rooms is that they're inside. No one should go into a room unless he understands this. People behave one way in rooms, another way in streets, parks and airports. To enter a room is to agree to a certain kind of behavior. It follows that this would be the kind of behavior that takes place in rooms.

                                                                         — Don DeLillo; White Noise (Ruído Branco) 

Ou seja, a narrativa de DeLillo, mediante essa fala de Mink, propõe que entrar num quarto, um espaço fechado, implica assumir um comportamento diferente daquele em espaços abertos. Então, ao penetrar nesses espaços, as personagens assassinas continuam a ser a mesma pessoa? Estaríamos falando, assim, de outra realidade E de outra identidade? Opa!, agarro essa segunda deixa para fixar o próximo item desta lista.

(2) "(...) quem sabe; já era a que seria." — Borges; Emma Zunz.
Quando Humbert confronta Quilty, ele se apresenta como o pai de Dolores, acusando-o de tê-la raptado e estuprado; em outras palavras, Quilty torna-se o único responsável pela desgraça que ocorrera na vida de Lolita. Humbert, naquele instante, deixa de ser Humbert; não tem mais culpa de coisa nenhuma, passando a ser apenas um papai que sofre e vinga a violência cometida contra a filha amada. Acredito que Humbert e Quilty se aproximam a um Duplo, porém com a notável ressalva de que é Humbert quem força esse Duplo ao se posicionar artificiosamente no polo oposto ao de Quilty, na tentativa de que deixem de corresponder a uma identidade em tudo equivalente. 

Minha leitura de Emma Zunz seguiu caminhos similares àqueles que percorri a partir da cena de Nabokov. Embora a narrativa de Borges não permita acessar o íntimo de Emma, teorizei, mediante os subsídios textuais fornecidos, que a notícia do falecimento do pai inundou a personagem de sentimentos de culpa: se Emma tivesse revelado a verdade acerca do crime pelo qual o pai fora injustamente acusado, será que ele teria se suicidado? Quer dizer, penso que a personagem entrou na paranoia de questionar se ela poderia ter evitado a morte do pai. Seguindo esse raciocínio, especulo que, para matar Loewenthal, Emma precisa projetar toda essa culpa nele — à semelhança do que fez Humbert. Inclusive, antes de efetivamente apertar o gatilho, ela já está convicta de que fora Lowenthal quem a estuprara, no entanto o leitor sabe que a decisão de transar com o marinheiro foi única e exclusivamente dela.

"Diante de Aaron Lowenthal, mais que a urgência de vingar o pai, Emma sentiu a de castigar o ultraje por ela sofrido."

A assertiva destacada acima, ao mesmo tempo em que força a pergunta, lança a resposta óbvia: e como, com que recurso esses assassinos conseguem remodelar a realidade e a identidade; passando a experimentar um outro tempo? Elementar, meu caro Uátson: via relato, narrativa, ficção. [Vale lembrar que Humbert, "convenientemente", é um tonto das letras, não é?]
"Relatar com alguma fidelidade os fatos daquela tarde seria difícil e talvez improcedente. Um dos atributos do inferno é a irrealidade, um atributo que parece mitigar seus terrores e talvez os agrave. Como tornar verossímil uma ação quase desacreditada por quem a executava, como recuperar aquele breve caos que hoje a memória de Emma Zunz repudia e confunde?"
Eu sei, eu sei; ninguém aguenta mais esse papo de narrativa, mas suspeito de que o fastio geral é mera decorrência da plena ciência de estarmos diante de um fato incontornável da vida humana (e inumana até). O crítico Roberto González Echevarría discute diretamente a confluência entre crime e narrativa, na obra de Borges (traduzo livremente): "Tanto no crime quanto na ficção há um esforço para esconder os mecanismos da mentira que, com todas suas conotações morais, funciona como o incentivo. Emma executa o que acredita ser um crime perfeito, do mesmo modo que um escritor busca escrever uma história perfeita." (The Cambridge Companion to Jorge Luis Borges)

Persistindo nessa reflexão, esta frase do conto borgiano me atrai em particular:

'...e o singular alívio de estar afinal naquele dia. Já não tinha de tramar e imaginar, dali a algumas horas chegaria à simplicidade dos fatos."
Quer dizer, esse processo de elaboração, via narrativa, de uma outra realidade e identidade é exasperante, não é algo que ocorre facilmente, sem dor alguma. — Escritores que o digam, imagino. — A propósito, o momento do assassinato faz com que o leitor compartilhe com a personagem assassina do mesmo alívio: a vítima morreu, encerrou o suspense e tensão, o fim da história chegou e, assim, ninguém precisa sofrer acompanhando/elaborando uma narrativa. Entretanto a cena de Ruído Branco subverte, até certo ponto, precisamente isso e, na verdade, é o que mais me marcou. Explico: disparados os tiros, ao ver o corpo ensanguentado à sua frente, Jack parece ser lançado para fora da realidade e identidade que construíra a fim de conseguir matar Mink. Em outras palavras, os disparos não trazem a Jack o alívio, mas sim o desespero de perceber que acabara de atirar contra um ser humano que, em consequência, morreria rapidamente, caso ele não fizesse algo para ajudar. Essa súbita mudança de chave no comportamento de Jack me surpreendeu bastante. 

Na sequência, cabe colar o trecho final de Emma Zunz:
"Com efeito, a história era incrível, mas se impôs a todos, porque substancialmente era verdade. Verdadeiro era o tom de Emma Zunz, verdadeiro o pudor, verdadeiro o ódio. Verdadeiro também era o ultraje que sofrera; só eram falsas as circunstâncias, a hora e um ou dois nomes próprios."
Considerando-se o estereótipo do judeu religioso e avarento ao qual recorre Borges no conto*, talvez parecerá provocação minha trazer Amós Oz para esta conversa, no entanto não é (acho). Em Os Judeus e as Palavras, Amós e Fania, ao comentar a eterna discussão acerca da veracidade do que está escrito nos textos bíblicos, escrevem algo de tocante perspicácia, que dialoga demais com o parágrafo final de Emma Zunz, transcrito acima:
"Mas os autores existiram, e sua linguagem existiu. Quem inspirou essas histórias? De onde vieram os heróis e heroínas, os enredos e fábulas, os diálogos e expressões? Da vida real, foi daí que vieram. De linhas de textos.
Um arqueólogo poderá se preocupar com o fato de os relatos bíblicos serem mera "ficção", mas nós viemos de um lugar diferente. "Ficção" não nos assusta. Como leitores, sabemos que ela transmite verdades."
 
                         — Amós Oz, Fania Oz-Salzberger; Os Judeus e as Palavras (Tradução: George Schlesinger)

Ou seja, toda ficção se sustenta numa verdade.
 
* [ADENDO] A caracterização de Loewenthal me intrigou e incomodou e, de fato, não consegui atinar por que Borges fez essa escolha narrativa. Questiono se esse artifício inadvertidamente (?) denuncia o antissemitismo disseminado, uma vez que me parece restar subentendido que o fato de Loewenthal ser um judeu avarento, quem sabe até criminoso, funciona como elemento que, para muitos (lamentável e infelizmente), torna a história verossímil, real. Sei lá, foi o máximo que consegui concatenar a respeito disso.


Pronto; encerro minhas groselhas aqui. Hora de dar play no vídeo da Aimée >  LINK AQUI


[Comentários pessoais pós-vídeo:]

Opa, esse meu diálogo com Aimée ficou interessante, pois acabamos seguindo caminhos um tanto diferentes, ainda que tenhamos tocado em pontos comuns: em meus comentários, persegui muito mais os aspectos formais, numa reflexão a partir de romances policiais — em paralelo com outros dois romances—; enquanto Aimée destacou sobretudo os fundamentos psicanalíticos de Emma Zunz. Confesso que, embora seja impossível deixar de franzir a testa durante a leitura do trecho "Pensou (não pôde não pensar) que seu pai fizera com sua mãe a coisa horrível que agora lhe faziam.", esse lado psicanalítico e a sexualidade aparentemente mal resolvida de Emma Zunz não me instigaram durante (ou após) a leitura. Quer dizer, justamente num conto "de personagem", conforme disse Aimée, eu persisti focando nos elementos da engrenagem ficcional. ¯\_(ツ)_/¯

Elenco, a seguir, algumas novas reflexões proporcionadas pelo vídeo da Aimée:

⇰ Todo esse papo psicanalítico me fez perceber que deixei de mencionar outra conexão evidente entre Emma Zunz, Humbert e Jack: essas três personagens não apenas executam planos de vingança, como também se vingam de violências de natureza sexual. A distinção evidente é que, no caso de Emma, ela assume, simultaneamente, os papéis de "vítima" (questionável, eu sei) e vingadora — os outros dois vingam uma mulher (o caso de Humbert, então, nem se fala: na real, pensando nesses termos, o tonto deveria ter atirado nele mesmo);

⇰ Aimée questiona os motivos que fizeram Zunz submeter o próprio corpo àquela violência, e acredito que meus prévios comentários trataram disso: porque foi o artifício encontrado para cometer o crime perfeito, para montar a genial narrativa que evitaria sua prisão pelo assassinato de Loewenthal. Considerando-se os elementos textuais relacionados à sexualidade da personagem, não surpreende que esse tenha sido o caminho vislumbrado — conforme escreveu o crítico Floyd Merrell naquela passagem que transcrevi: "ela usa seu mundo da melhor forma que conhece."  No mais, quando Aimée comentou que teve a impressão de que Emma não julgava que a honra do pai seria motivo suficiente para matar Loewenthal, sendo necessário criar um outro; fui catapultada para o que eu escrevi em meus comentários sobre a peça Othello, de Shakespeare! É que, naquele post, escrevi justamente que, sob uma perspectiva moral, Iago parecia se sentir desconfortável por fazer tudo aquilo contra Othello motivado apenas por suas ambições, de modo que ele inventa (e força-se a nela crer) a história esfarrapada de que sua mulher o havia traído com Othello. Legal; amei essa conexão.

⇰ E eu que, inadvertidamente, mergulhei na aparente paranoia de Emma, pois nunca duvidei do suicídio do pai dela? Ai, jizuiz... Veja, "tomar por engano uma forte dose de Veronal" (veronal  = sedativo barbitúrico) não é uma descrição que sustenta bem a versão de morte acidental. (rimou!) O mais provável, diante dessa informação, é que ou o pai dela foi assassinado (um boa noite, Cinderela fatal) ou se suicidou. Contudo, reconheço que complica demais quando o narrador nos diz que "Emma leu..."; digo, entre o que ela leu e o que efetivamente estava escrito pode haver uma grande diferença realmente. No entanto, pensando com mais cuidado agora, a descrição da carta fala um bocado a favor de que o pai dela foi assassinado, hein. Se duvidar, é o próprio assassino quem redigiu a carta. EITA!


Curti como rolou a leitura compartilhada deste conto; achei que ficou bastante rica. Mais uma vez, valeu, Aimée.

15/08/2021

And I draw a line to your heart today [2021]

Apesar das dores chatas que tenho sentido (pescoço, ombro), consegui fazer novos desenhos feios; yay! Antes de mostrá-los, anoto pra mim (e compartilho com quem porventura caia aqui) três encontros legais relacionados ao tema. Bora lá! 


🎨 Em 2021, assisti pela primeira vez ao O Gosto do Chá (2004), do diretor Katsuhito Ishii, e esse bendito filme tem uma das mais lindas cenas finais que já vi. Colo abaixo um vídeo com a respectiva passagem que, em resumo, corresponde ao momento em que a família, ao entrar no puxadinho onde o "excêntrico" vovô recém-falecido vivia, descobre os flipbooks (cadernos com desenhos animados / em movimento) que ele desenhara pra cada um deles. O momento guarda uma delicadeza tão tocante, que chorei feito uma desgraçada, sobretudo por conta do que significa, no contexto da história, o desenho feito para a garotinha. Aliás, se eu fosse cineasta, esse é totalmente o tipo de filme que gostaria de fazer: sem pé nem cabeça e, por isso mesmo, com todos os pés e cabeças que realmente importam. (*Quem assistiu pescou a sacadinha. Hi5!)


🎨 Fiquei fascinada com os quadros que a artista Helga Roht Poznanski faz com aquarela. São deslumbrantes. Eu brinco com aquarela por ser uma tinta prática e relativamente barata, no entanto, pra ser honesta, sempre acreditei tratar-se de um material incapaz de render imagens expressivas; quero dizer, imagens que não sejam kitschy ou (como diriam os britânicos) meio twee. E o pior é que, conforme a própria artista afirma no vídeo abaixo, a aquarela é bem ardilosa de se usar, em especial por usualmente não admitir erros. Dito isso, eis que Helga Roht Poznanski surgiu no meu caminho para dizer que eu é que não tenho talento para aquarela, pois o material pode, sim, render bons trabalhos. Também destaco o instigante processo criativo compartilhado por Poznanski neste vídeo, o qual super me deu ideias para arriscar o voo da imaginação, ainda que eu não domine os fundamentos técnicos do desenho: partir de colagens para, a seguir, desenhá-las/pintá-las. Talvez funcione. Ah, e experimentar o uso da tinta menos diluída em água, para obter cores mais intensas e interessantes. Por fim, a própria Poznanski me pareceu uma mulher incrível; fiquei feliz por tê-la conhecido.
"Nunca digo que sou artista. Eu sou pintora. Porque o mundo é arte; tudo é arte e, se não houvesse arte, não existiria vida." 
                                                                           -  Helga Roht Poznanski

🎨 Dada minha suposição de que, para tentar contornar a terra arrasada na qual a internet tem se transformado, é importante ajudar a impulsionar aquilo que estimamos, registro o canal recém descoberto da artista Valerie Lin. Ainda o estou explorando (esbarrei nele ontem), mas os vídeos que vi me inspiraram a prosseguir aprontando. E acho massa que ela more em Berlim, incluindo nos vídeos imagens dos passeios que faz por aquela cidade deliciosamente maluca. Incluo o último upload de Lin no You Tube: (*Instagram: @itsvalerielin)


🎨 Para finalizar, estes foram os desenhos com os quais brinquei nos últimos meses:

Não sei onde eu estava com a cabeça ao tentar pintar essa cena (as sombras, as luzes, aaahhh), visto que minha habilidade obviamente não está à altura de tamanha empreitada. Contudo, a despeito dos diversos erros, admito estar bem contente com o resultado final. A inspiração veio de um mini vídeo (com tantos elementos que me são caros: bichinho, janela, dança, noite, gaze) postado no Instagram por @mignonettetakespictures (fonte original: @dincerisgel), link: X. (*material: aquarela e um peteleco de caneta nanquim.)

Suei, mas a Buffy do Wishverse finalmente saiu (ou algo parecido — nem queiram ver como ficou a versão em aquarela. Spoiler: horrível). Conforme comentei no post a respeito de minha experiência revendo Buffy em 2020/2021, espanta saber que, caso a série fosse criada hoje, essa daí, com absoluta certeza, seria a Buffy do Universo Canon, enquanto a Buffy que conhecemos é quem pertenceria a um mundo paralelo distópico. Que instigante, o quanto uma sociedade é capaz de mudar em tão pouco tempo. (*material: lápis de cor + giz pastel seco.)

Esse danadinho me deu um baita trabalho; especificamente, o próprio rascunho: o que é a cabeça desse bicho, afinal? Que crânio é esse? E o olho?! A patinha?! Mas estou curtindo bastante desenhar animais e já salvei várias fotografias para referência, vejamos se conseguirei executar algumas delas.

A inspiração desse desenho veio de uma foto postada, no Instagram, pela conta @zildafariass, link: X. A Zilda Farias posta tantas fotos lindas do tio que mora no interior de Pernambuco, que talvez eu traga outros desenhos inspirados pelas imagens que ela compartilha. (*material: lápis de cor.)

Pintura inspirada numa cena do lindo filme A Cor da Romã (1969), de Sergei Parajanov. Scorsese é provavelmente um boomer a quem devemos dar ouvidos, hein. Galera dedicando tanto tempo a filmecos enlatados de super-herói, enquanto uma preciosidade dessa existe no mundo. Lastimável. (*material: aquarela + um tico de lápis de cor.)
"Watching [The Color of Pomegranates] is like opening a door and walking into another dimension, where time has stopped and beauty has been unleashed…. Before all else it's a cinematic experience, and you come away remembering images, repeated expressive movements, costumes, objects, compositions, colours"

                                                                                                         - Martin Scorsese 

[Atualização em 23/08/2021: o comentário da Maria Eduarda (abaixo) me fez perceber que, neste mesmo post, eu incluí um desenho da minha querida super-heroína - Buffy! hahahahaha, Jizuiz! Bom, aproveitarei para colar aqui a resposta: Essa é uma das diversões de manter um blog: descobrir, compreender e fazer as pazes com minhas contradições. Enfim, nem se trata de deixar de curtir os filmes de super-heroínas(heróis) mas, sei lá, de ter um pouco mais de curiosidade para outras coisas, acho. É, acho que foi isso que quis dizer ao incluir o comentário do Scorcese.]

Veja bem, as proporções dessa pintura estão algo cagadas, a Tilda Swinton está parecendo uma alienígena (se bem que: será que não é?) e, mesmo assim, creio ser minha obra-prima. As risadas, ao menos, já a fizeram valer a pena. Além do mais, estou mega orgulhosa da solução que encontrei para pintar com aquarela a maldita camisa do Bill Murray. 

Para não desperdiçar o meme: quem é o Correndo entre Livros nesta foto? Bem, este blog adoraria ser uma mistura de Anderson com Swinton, mas ele só dá conta de bancar o combo Chalamet & Murray.  E olhe lá. ¯\_(ツ)_/¯  [*material: aquarela + colagem marota (*balcão com a logo do festival)]