(*Arquivando desenhos/pinturas no Instagram: dani.x.ela)
(1) A ressalva feita por Gilda de Mello de que, nas sociedades primitivas, raramente encontramos um desenho que se encaixa na habitual definição de desenho — quer dizer, a arte do contorno — , pois quando a poesia ainda não se separou da música e esta continua apoiando-se na dança; quando são 'impuras' todas as manifestações artísticas, também ao desenho vemos associar-se uma série de elementos alheios ao contorno que, falando aos sentidos, anulam o caráter abstrato do traçado (...). Abracei demais essa ideia de manifestação artística impura (é contorno, é poesia, é música, é dança, é instrumento de magia religiosa... é tudo!), o que explica muito aquilo que sentimos ao contemplar as imagens dos desenhos no documentário de Herzog.
(Tradução: Attílio Cancian)
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🎨 Ano passado assisti ao Os Amantes de Pont-Neuf (Leos Carax; 1991) e achei muito bonita a sequência e o paralelo estabelecido entre as cenas iniciais e finais, nas quais Michèle, personagem de Binoche, desenha um retrato do amante, interpretado por Denis Lavant. Colo aqui uma edição breve (há spoilers, é lógico), mas também vale ressaltar a tocante cena à noite no museu, na qual Michèle, com ajuda de uma vela e de um ombro amigo, observa um dos autorretratos de Rembrandt, possivelmente pela última vez (ela estava prestes a perder a visão).
🎨 Já neste ano, finalmente vi A Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010), do Herzog. Na sequência, aproveitei para ler um texto de Gilda de Mello e Souza — na verdade, a transcrição de uma palestra que ela proferira em 1954, na Sociedade de Psicologia de São Paulo — chamado O Desenho Primitivo, incluído no livro Exercícios de Leitura, publicado pela Editora 34. O tema é fascinante e, desse texto, escolho guardar aqui dois pontos:
(1) A ressalva feita por Gilda de Mello de que, nas sociedades primitivas, raramente encontramos um desenho que se encaixa na habitual definição de desenho — quer dizer, a arte do contorno — , pois quando a poesia ainda não se separou da música e esta continua apoiando-se na dança; quando são 'impuras' todas as manifestações artísticas, também ao desenho vemos associar-se uma série de elementos alheios ao contorno que, falando aos sentidos, anulam o caráter abstrato do traçado (...). Abracei demais essa ideia de manifestação artística impura (é contorno, é poesia, é música, é dança, é instrumento de magia religiosa... é tudo!), o que explica muito aquilo que sentimos ao contemplar as imagens dos desenhos no documentário de Herzog.
(2) Gilda de Mello faz questão de pontuar a distância entre o desenho primitivo e o desenho infantil (dado que percepções rasas tendem a aproximá-los). Ao mesmo tempo, porém, ela aponta uma magnífica semelhança (grifo meu):
"(...) uma finalidade utilitária, mágica ou intelectual. maneira de apreender o mundo e sobre ele agir, grafia da percepção, (...) visa sempre menos uma imagem que um saber, como diria Sartre. Onde o vocabulário é precário e a palavra ainda não se empenhou na descoberta do mundo, é através do contorno que o primitivo ou a criança apalpam a realidade, exploram o objeto, exploram o objeto, chegam à noção abstrata das coisas. (...) Assim o desenho estará preenchendo a sua verdadeira função, que é, segundo as belas palavras de Alain, "fixar o homem e parar o curso do tempo"."
🎨 Por falar em desenho infantil, anotarei um diálogo simples e surpreendente que encontrei no lindo livro Meu Nome é Asher Lev, de Chaim Potok; o qual li no fim do ano passado, na tentativa de continuar vivendo a narrativa do querido Akiva, personagem da série israelense Shitsel. (Esse livro provavelmente retornará noutros momentos ao blog — ou não.)
"Olhando para um dos meus desenhos, disse-me ele certa vez: — Asher, você não tem coisa melhor em que usar seu tempo? Seu avô não teria gostado de vê-lo esbanjar tanto tempo com tolice.
— Papai, mas isto é um desenho.— Chaim Potok, Meu Nome é Asher Lev
— Eu sei que é um desenho.
— Mas, papai, um desenho não é uma tolice.
Ele me olhou surpreso, sem dizer uma palavra. Naquela época eu tinha quase cinco anos de idade."
(Tradução: Attílio Cancian)
🎨 Fechando ciclicamente, volto aos retratos, fixando o vídeo em que Berger pinta um retrato de Tilda Swinton, o qual só vi recentemente — é trecho do documentário The Seasons in Quincy: Four Portraits of John Berger, o qual ainda não consegui assistir. Além da técnica mais fluida, adorei o anteparo de madeira (novidade pra mim) que Berger usa para fixar o papel — deve funcionar melhor que a fita crepe. E tão, tão bonita a mirada de Swinton para Berger... — Não tem jeito, o olhar de um retratado para o pintor que o retrata é sempre uma imagem muito potente. Trata-se de um momento que mistura tantas coisas: vulnerabilidade, generosidade, curiosidade, intimidade, comunhão, erotismo, amor... Sempre me pega, razão porque precisei fixar aquele sequência do filme do Carax.
Ah, e a participação especial do livro de Victor Serge? Se está no catálogo da NYRB e foi lido por Berger, eu boto fé; mandei pra fila (Título: Unforgiving Years).
"We, who draw, do so not only to make something observed visible to others, but also to accompany something invisible to its incalculable destination."
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Ok; alguns de meus desenhos ruins deste ano, que me deixam feliz. [E agora que meu pescoço pediu arrego, meu querido hobby resta encerrado, infelizmente. (..) Calma, sigamos com o tratamento, né? *suspiro*]:
[*referência do desenho: cena do filme Bande de Filles, de Céline Sciamma // aquarela.]
[referência do desenho: cena do filme La Grande Bellezza, de Paolo Sorrentino // aquarela]
[*referência do desenho: imagem compartilhada por Taemin (태민), com sua gatinha Kkoong (꿍) 🖤 // grafite + lápis de cor. /// Poxa, o desenho original ficou tão mais bonitinho... A qualidade é bem melhor no Instagram: aqui. O Blogger não ajuda; e não sei digitalizar direito grafite e lápis de cor, o scanner sempre deturpando demais a imagem.]
[*referência do desenho: ... 😬 foto meme da internet? não localizei o crédito específico da foto usada // aquarela + lápis de cor.]
[*referência do desenho: foto da Rihanna durante a gravidez, em 2022 // aquarela.]
[referência do desenho: fotos publicadas pela conta Instagram @2ah.in // aquarela.]
[referência do desenho: imagem do clipe para a música Vai Quebrando (Desce que Desce), do Heavy Baile; com a dançarina Celly IDD. // lápis de cor.]
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Uns desenhos mais velhinhos, os quais trago de volta porque se perderam quando desativei o blog ano passado — e porque gosto muito deles:
[*referência do desenho: cena da série documental Tiny World - Apple TV // lápis de cor.]
[*referência do desenho: cena do filme Ratcatcher (1999), de Lynne Ramsay // aquarela.]
[*referência do desenho: puxa, perdi; mas era uma foto de senhoras no mar morto // aquarela.]
[*referência do desenho: foto da Malala no Graduation Day, 2020 // aquarela.]