Num exercício de impertinência, resolvi publicar este post em resposta não solicitada à newsletter Outra Cozinha, da autora Carla Soares; especificamente à edição intitulada Bestiário (link aqui). Nessa carta de 11/06/2023, Carla escreve sobre os bichos que lhe aparecem na chácara onde mora, registrando as lembranças dessas relações em pequenos trechos de diário. O texto, como habitual da escritora, é uma preciosidade e, após lê-lo, senti comichão para escrever brevemente sobre os bichinhos com os quais cruzo durante os passeios que faço pelo parque do bairro. Naquele que é um de meus posts favoritos deste blog — What do guinea pigs do?! (link aqui) —, compartilhei reflexões relacionadas à observação de animais; portanto esta postagem também dá continuidade àquela conversa. No breve comentário escrito por Wisława Szymborska a respeito do livro Book of Mysteries, de Thomas de Jean, acredito haver uma boa explicação do porquê eu [e Szimborska, e possivelmente Carla, e os autores citados em meu primeiro post e aquelas que citarei a seguir] me perco observando animais. Szymborska diz que Book of Mysteries é um compilado daqueles mistérios que, de tão recorrentes, talvez já tenham virado meras banalidades: manifestações fantasmagóricas, pessoas abduzidas à lua, visitas alienígenas, monstro do lago Ness, ovnis. A poeta polonesa, no entanto, esclarece que seu enfado com o livro não significa que ela seja uma racional cabeça-dura incapaz de conceber a possibilidade de coisas estranhas ocorrendo no mundo; mas exatamente o contrário, uma vez que Szymborska não crê na ideia de uma Terra ordinária. Para a autora, uma árvore crescendo com folhas farfalhantes é enigma suficiente. Quanto a mistérios, portanto, assim ela finaliza o texto (tradução Polonês → Inglês: Clare Cavanagh; Inglês → Português: minha):
"Outros podem requerer temperos mais pungentes, como, por exemplo, o sapo de Liverpool que supostamente rastejou para fora de um bloco de granito quebrado e sobreviveu por várias horas. Um sapo na grama já está bom para mim."
Antes de prosseguir com minhas próprias lembranças, gostaria de anotar dois outros livros que Bestiário me trouxe de volta à memória. Carla começa a newsletter nos contando sobre seis gatos da região que gradativamente começaram a visitá-la e que, aos poucos, foram se aconchegando; destacando-se aqueles que ela nomeia Caju e Cajá (ótimos nomes, por sinal). Nunca convivi com gatos, portanto o pouco que sei a respeito deles provém das muitas horas gastas vendo vídeos, fotos e gifs de gatinhos na internet. Do que aprendi, o que mais me fascina é a doçura com que os donos narram as diferentes personalidades de cada um de seus gatos; relatos sempre repletos de detalhes suficientes para que minha imaginação construa toda uma concreta e palpável subjetividade. A maneira com que Carla descreve as diferenças dos jeitinhos de Caju e Cajá me lembrou um dos textos mais marcantes do livro The Summer Book, de Tove Jansson (autora dos Moomins). Numa pequena ilha escandinava, moram Sophia e sua avó e, tal qual ocorrera com Carla, um gato ainda filhote se aproxima da casa das duas e vai ficando. Sophia morre de amores pelo gato — a quem chama Moppy —, porém, para sua tristeza, o felino não lhe dá a menor bola. O diálogo da criança com a avó é de uma ternura esmagadora (tradução Sueco → Inglês: Thomas Teal; Inglês → Português: minha):
— É verdade. E o que fazer?— A gente segue amando — diz Sophia com ar ameaçador — A gente ama cada vez mais e mais intensamente." A avó suspira e nada diz.
Contudo, quando Moppy cresce e começa a caçar pela ilha, frequentemente trazendo presentinhos ensanguentados pra dentro de casa, Sophia fica furiosa e passa a desprezá-lo. A criança não entende por que Moppy mata pássaros - tão agradáveis e bonzinhos -, em vez de ratos - tão repugnantes; chegando a desejar que o gato nunca tivesse nascido. Daí, um barco ancora na ilha e os amigos tripulantes se queixam de que o gato que adotaram para caçar ratos simplesmente não caça nada. Ou seja, faz-se a oportuna troca e finalmente Sophia tem para si um gatinho meloso, que sempre dorme e ronrona satisfeito no colo. Fim da história? Na verdade não, pois a menina rapidamente se enfastia diante da personalidade morosa do novo gato. O diálogo final com a avó é outro primor:
"— Eu quero Moppy de volta!
— Mas você sabe como será.
— Vai ser horrível - diz Sophia com ar austero -, mas é Moppy que amo."
"Deixo as aranhas correrem livres pela casa. Calculo que um predador que espera sobreviver de quaisquer pequenas criaturas que possa encontrar num espaço de 0,1 m², no canto do banheiro onde a banheira alcança o piso, precisa de meu apoio."
Em retrospecto, suponho que eu não deveria ter jogado pela janela a pequena lagartixa que apareceu no banheiro de casa dia desses. Pensando bem, o texto de Dillard não mexeu tanto comigo? Em minha defesa, ~teoricamente~ não a matei, logo...

"O Brasil aparece no livro! Quero dizer, mais ou menos: Victor Hugo cita um grupo de saltimbancos que possuíam "(...) um desses temíveis abutres do Brasil que o nosso Museu Real não conseguiu adquirir senão depois de 1845 (...) os naturalistas chamam-no, creio eu, de Caracara polyborus (..)"Assim, foi pela superação dessa improbabilidade que Victor Hugo me ajudou a voltar os olhos para esse magnífico animal. O encontro registrado por minha foto foi especial, porque, além de ser um casal (nunca antes o tinha visto em dupla), os dois pareciam me acompanhar — eu sei, eu sei, estou bancando a maluca que se julga a encantadora de carcarás, mas o que posso fazer, se eles me seguiram?! Supus que me acompanharam porque, embora eu me distanciasse dos dois, eu me aproximasse de um possível ninho, entretanto no dia seguinte não localizei nada, logo ficarei com a satisfatória versão Daniela, a encantadora de carcarás.

🐾 CORUJA BURAQUEIRA

🐾 MARITACA
🐾 QUERO-QUERO
Esses eu apelidei de Drama Queens, pois é um tremendo bicho estressado. Se eu ficar mais de três segundos olhando pra eles, param qualquer coisa que estejam fazendo (coitados, só fazem uma coisa: procurar comida), me encaram de soslaio, começam a berrar escandalosamente e se afastam o quanto antes. Justamente por isso costumam me abrir um sorriso e, de minha parte, tento não estressá-los. Simpáticos, gosto um bocado deles. E olha só, outra cena de duplinha. Juro que só percebi agora. Na hora de apostar, é dois na cabeça. Haveria alguma outra mensagem nisso?
Puxa vida, esses passarinhos são incrivelmente fofos. Não andam em duplas, mas costumeiramente em largos bandos, e identifiquei que a hora mais propícia de vê-los, desse jeito no chão, se alimentando e revoando todos juntos quando passamos (tão bonito), é em torno das 15:30h-16h — ah!, creio que é a hora em que os cupins alados voam, né? O intenso laranja no topo da cabeça, em contraste com o amarelo vibrante, me mata demais.

Fui agraciada uma única vez por essa formidável imagem (momento em que atinei o quanto aquele parque é especial), porém foi suficiente para me deixar maravilhada. Era fim de tarde, e o belo tucano parecia estar encantado pela beleza do sol se pondo no céu de Brasília, perdido em seus próprios pensamentos, tão sereno e contemplativo.

O que eu poderia dizer sobre capivaras que já não se tenha dito? Quando cruzo com elas, sou lembrada de que estresse nenhum nessa vida vale a pena. É bater os olhos, e pensar: taí uma figura que sabe viver. Nessa foto, certa está a danadinha que sequer levanta a bunda do chão para comer — novamente, Deus proverá, a quem localizar a esperta a quem me refiro.
Pronto, esses são alguns de meus colegas de passeio. Fiquei triste por não ter nenhuma foto de um joão-de-barro, os quais estão por toda parte do parque (e suas casinhas bem erguidas e arquitetadas). Poxa, só porque são tantos, são menos especiais? Eu sou mesmo idiota. Faltaram também os pica-paus (estonteantes, mas algo difíceis de ver e captar), e aguardo ansiosa a chegada dos tesourinhas. É, suspeito que esta história não acaba aqui, sobretudo porque, conforme disse Sophia, a gente persiste amando mais e mais.
Por fim, não posso encerrar sem agradecer à Carla Soares pela inspiração para este post e por me mostrar que esse tipo de registro merece ser feito. Novamente, segue o link para a newsletter Outra Cozinha: clique aqui.
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