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26/02/2023

[autoficções #4] And I draw a line to your heart today

[*Filme: Um dia, um gato/ When the cat comes/The Cassandra Cat; Vojtěch Jasný (1963)]

Não tenho lido nada [iniciar ano com leitura sem graça dá nisso], não tenho desenhado/pintado e minha saúde já esteve melhor, porém bateu tremenda vontade de conversar. Além do mais, alguém precisa alimentar o banco de dados das I.A.'s de Texto & Imagem, confere? Post singelo, trazendo alguns desenhos/pinturas do ano passado, os quais ajudarão a puxar assunto, misturados a breves entradas diarinho, combinado? Bora lá.

💬 Eis que o tcheco Um dia, um gato/ When the cat comes, de Vojtěch Jasný, deu as caras na MUBI, e finalmente pude vê-lo — a espera valeu, gostei. Já joguei uma cena/frase excelente do filme no topo deste post, mas também preciso guardar a passagem na qual as crianças começam a pintar como imaginam (sem que o professor peça, ressalto) o gato da história que escutam; um gatinho especial que cobre os olhos com óculos escuros, a fim de não revelar as verdadeiras cores das pessoas. Caramba, lindo demais. 👇



💬 A autora japonesa Sayaka Murata concedeu uma ótima entrevista ao Louisiana Channel [link: Writer Sayaka Murata 村田沙耶香 | Louisiana Channel], e registro aqui o fascinante processo criativo compartilhado pela autora. Murata explica que, para criar suas histórias, ela desenha suas protagonistas num caderno, construindo um pequeno aquário de personagens. Colo esse achado na postagem porque ele incidentalmente se conecta belamente à elaboração criativa das crianças no filme de Jasný: elas escutam a história falada, transferindo-a em desenho no papel; enquanto Murata, por sua vez, desenha a história no papel, para então transformá-la em história escrita. Claro que não estou chorando, que ridículo seria.
"Quando escrevo romances, uso cadernos. Eu rascunho a personagem no caderno — não apenas seu rosto, mas também sua altura e roupas, para saber de onde ela vê o mundo, o lugar onde ela cresceu e viveu durante a infância. Quando termino a protagonista, desenho as personagens que a rodeiam. Enquanto as desenho e as nomeio desse modo, elas automaticamente começam a conversar entre si; daí eu escrevo as cenas. É como se eu estivesse construindo um aquário (...) onde coloco minhas personagens. (...) Em seguida, começo a mudar o mundo onde estão. Quando faço coisas diferentes, todos no aquário começam a se mover, então a história naturalmente se revela; momento em que escrevo o que observo.         
— Sayaka Murata.
P.S.: Terráqueos já está na fila para leitura em 2023, portanto Murata poderá visitar mais uma vez o blog. O Querida Konbini já rendeu post: aqui.


💬 Não lembro de que forma começou ou por que deixei acontecer, porém confesso que estou circulando por dois becos de elevada periculosidade do You Tube: os nichos das entusiastas de caneta-tinteiro e as de fotografia. Exato; necessito encontrar forças para não sucumbir, caso queira evitar irreparável e certa derrocada financeira. Quanto às canetas-tinteiros (por ora, possuo somente uma modesta Kaküno), acredito que será fácil resistir, pois me parece um hobby algo peculiar [galera da papelaria na internet se parece assustadoramente com fã de marcas (destaco algumas recorrências observadas: Superior Labor, Hobonichi, Kaweco, Sailor, TWSBI...); rolam uns papos bem bizarros, acho. Até a caligrafia da galera se torna igual; doideira], mas quanto à fotografia, receio de que não haverá remédio. Nos próximos dias, pretendo decidir e fechar a compra de uma câmera e set de lentes; a ver. Será algo de entrada e de baixo orçamento — e desejem-me sorte, pois pretendo me aventurar no AliExpress. [*Atualizando em 03/03: claro que deu ruim ao tentar comprar lá; pelo menos a merda ocorreu logo na saída. Por que insisto no erro, jesus?]  Assim, além de desenhos e pinturas ruins, possivelmente também trarei fotos de qualidade duvidosa para o blog, em futuro incerto. Yay! Anoto uns objetos de estudo que me inspiram neste projetinho de fotos: aquelas pequenas flores de mato para as quais ninguém liga, os cãezinhos e capivaras do parque, passarinhos e insetos. 


💬 Por falar #1 em fotografia e MUBI, trago esta minha pintura da cena de um filme que vi por lá (guache + aquarela):

Madeira e Água (2021), de Jonas Bak, narra a história de uma alemã viúva e aposentada que viaja à Hong Kong, durante os protestos de 2019, para visitar o filho. Adorei a delicadeza do filme; os momentos de silêncio e solidão da personagem, bem como a relação estabelecida com a paisagem por onde ela circula, me tocaram bastante. Esta pintura me ajudou a consolidar uma lição importante, explico-a rapidinho: quando comecei a desenhar/pintar e esbarrei na câmera fotográfica, paralisei porque "como diabos se desenha uma câmera fotográfica?", contudo logo me lembrei de que "calma, sem estresse; basta desenhar as formas, sombras e luzes que enxergo, e a imagem há de se materializar." E não é que se materializou legal?

E pinço um momento logo no início do filme, quando a personagem vê-se obrigada a passar a primeira noite no país num quarto de albergue. Uma jovem no beliche puxa conversa com essa senhora turista, contando-lhe as perícias de sua viagem que se encerrava naquela noite, quando então pausa e emenda tão gentil: "— Desculpe, esta é minha história. A sua está apenas começando." Quer dizer, até aqui, meu post pensa em: desenhar histórias, fotografar histórias, contar histórias, ouvir histórias, escrever histórias, viver histórias.


💬 Por falar #2 em caneta-tinteiro e MUBI, ano passado pintei uma cena do filme A Ilha de Bergman (2021), de Mia Hansen-Løve (aquarela):
 
Não consigo descrever o quanto gostei desse filme (a primeira metade, ressalvo), entretanto afirmo que, ao final, eu só queria saber de embarcar para uma ilha sueca carregando cadernos, livros e canetas-tinteiros debaixo do braço, e por lá passear de bicicleta e nadar com águas-vivas. Puxa, adoro essa diretora — ah, e a atriz, Vicky Krieps! Por sinal, devo finalizar um retrato dela que desenhei no fim do ano passado, quase pronto. 

[P.S.: é, não nego que mulheres contemplativas, olhando para o espaço (janelas!!), é um apreciado tema.]

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[ATUALIZAÇÃO 26/03/23:] Pronto, desenho da Krieps finalizado (*grafite; lápis de cor). 


***
Pera, impensável falar de águas-vivas e ilhas suecas, sem trazer de volta um de meus poemas favoritos, do sueco Tomas Tranströmer (que poeta subestimado por estas bandas brasileiras, pessoal; por quê? / *tradução: Marcia Schuback):
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[ATUALIZAÇÃO 26/03/23:] Como casa com o tema, colarei esta pintura que também finalizei agora, usando como referência a imagem de um mini vídeo publicado no Instagram pelo artista Scott Campbell [era a visita da filha dele (creio) ao Aquário Nacional de Baltimore.] (*guache)
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E que coincidência!: vejo que uma artista de São Francisco, que comecei a acompanhar faz pouco tempo no You Tube (Christina Kent), acaba de postar um breve vídeo no qual pinta in loco a ilha de Alcatraz. Putz, é totalmente meu tipo de rolê, queria demais. Ilhas são realmente paisagens especiais, não tem jeito. Felizmente, já tive oportunidade de visitar a ilha de Alcatraz e fiquei absolutamente encantada com o lugar, o que me desconcertou um pouco, dado seu peso histórico. No entanto, o livro Slouching Towards Bethlehem Rastejando até Belém, de Joan Didion, inclui um texto que me apaziguou os sentimentos, pois Didion assegura que, por mais que ela própria tente imaginar aquele espaço como a prisão que um dia foi, não consegue desgostar dali. Trago trechinho do que ela escreveu, anotado com carinho num de meus cadernos:

 

"It is not an unpleasant place to be, out there on Alcatraz with only the flowers and the wind and a bell busy moaning and the tide surging through the Golden Gate (...) I liked it out there, a ruin devoid of human vanities, clean of human illusions, (...) I came back because I had promises to keep, but maybe it was because nobody asked me to stay."  — Joan Didion. 


Ok, talvez uma visita à ilha de Fårö seja muito complicada (será? caro, com toda certeza seria), enquanto uma revisita à Alcatraz seja mais factível? Por enquanto, retornemos via foto:
(*apaixonada pela gaivota lá atrás, inspecionando o que eu aprontava com malabarismos, para me fotografar sem ajuda.)


💬 Voltarei à MUBI [juro que este post não é patrocinado, mas, hey, fico à disposição da plataforma] para fixar no blog outra bela passagem de filme envolvendo desenhos. Na obra Il Buco (2021), de Michelangelo Frammartino, nada acontece, a paisagem é absurdamente linda e o silêncio prevalece (ou seja, lógico que amei). Acompanhamos a expedição do Grupo Espeleológico do Piemonte, ocorrida em agosto de 1961, o qual se dirigiu ao sul da Itália (Calábria) para explorar a caverna do Abismo Bifurto, então desconhecida. Em paralelo aos trabalhos da equipe, há cenas de um aldeão que pastoreia a região (ator? suspeito de que seja um local escalado pelo diretor), um senhor com uma mirada super intensa (sério, ele está fantástico em cena). Daí, dentre os membros do grupo, há um cartógrafo que, à medida que a exploração avança, desenha o mapa da caverna. As cenas nas quais o pesquisador trabalha no mapa, usando nanquim e bico de pena, paralelamente ao que vemos ocorrer com o aldeão e à própria paisagem italiana, é lindo, lindo, lindo. Depois desse, Frammartino é outro diretor que entrou no peito, sem dúvidas, pois também aprecio o Le Quattro Volte (2010).

Inclusive, que parceria espetacular, não? Cavernas e Ilhas. Sim, colocarei esses elementos no meu hipotético aquário criativo — ao lado das canetas-tinteiros, máquinas fotográficas, frascos de tinta, águas-vivas e gatinhos de óculos escuros. Está ficando bonito.

(ah, este fundo cego... o percurso na caverna: everything was beautiful, and nothing hurt.)


💬 Para não dizer que não estou lendo nada, vale comentar brevemente que leio (aos pouquinhos, com calma) a coletânea de cartas que Van Gogh escreveu ao irmão Théo (dívida antiga minha). Estou radiante por me deparar com comentários tão ricos, generosos e honestos de Van Gogh acerca de seu processo criativo e de sua própria formação artística — que material valioso são estas cartas; e o quanto desmistifica a ideia de genialidade mágica. Reservarei impressões mais detalhadas para um possível post futuro (há tanto por falar), contudo, dado que minha pintura anterior do A Ilha de Bergman foi feita com aquarela, é imperioso destacar o quanto me satisfez ver Van Gogh corroborar que aquarela é coisa do diabo ("A aquarela é algo diabólico." - tradução: Pierre Ruprecht). Puta material desgraçado sim. Tenho curtido bem mais o guache e já investi numas tintas de cores primárias da Royal Talens (porém os vidrinhos são tão lindos, que persisto com pena de usar; daí continuo brincando com o baratinho HIMI).

"(...) a aquarela exige uma grande habilidade e uma grande rapidez no trabalho. Deve-se trabalhar no material meio úmido para obter harmonia, e não há muito tempo para pensar. Trata-se, portanto, não de trabalhar fragmentadamente, e sim de esboçar quase de um só golpe só (...)"       

                                                                                 — Van Gogh.

 


💬 Outro filme que invadiu minhas pinturas do ano passado foi Holy Motors (2012), do Carax (guache):

Visto que os filmes prévios do Carax aos quais assisti não me deixaram extasiada, me surpreendi um bocado com o quanto amei esse filme. Dane-se, tascarei um perfeito — poxa, tem tudo que valorizo: boas atuações, silêncios, é engraçado e triste na medida (piada discreta com assunto tabu? sou a favor; melancolia infinita? principalmente), sem pé nem cabeça, e ao mesmo tempo possui todo o sentido para instigar reflexões complexas; e tudo isso sem se levar a sério. No meu dicionário, é perfeito mesmo. Inclusive, percebi que o grande equívoco de Carax no filme Annette (2021) foi não ter escalado Denis Lavant para o papel do protagonista (perdão aí, Adam Driver).  AH! Não posso deixar de comentar: vi graças à plataforma Cine Sesc Digital; tremenda iniciativa massa.

Para encerrar estes devaneios, escolho transcrever a resposta da personagem de Lavant à pergunta acerca do motivo que a faz prosseguir fazendo o que faz. Trago a frase porque, em parte, ela ajuda a justificar minha dedicação a este humilde e inconsequente blog em pleno 2023, ano em que apenas robôs de I.A. e de indexação leem coisas na internet. [Suponho, a propósito, que seja a mesma razão por que Carax prossegue fazendo seus filmes. E que bom.]
"— O que me motiva desde o início: a beleza do gesto."
(guache - minha pinturinha de 2022 que mais curti. This is the way, I guess)