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Tomo 1 - Primeira Parte
↪ Certo, o ponto de partida da história é 1805, a se qual inicia com o discurso em francês de uma russa da alta sociedade - Anna Pávlovna Scherer -, no qual ela acusa Napoleão Bonaparte de ser o Anticristo (!). Ok, pode até não ser um "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira", mas já sinaliza bem onde estou me metendo.
Aliás, o início do livro dar-se em francês é bastante significativo e, de certo modo, irônico, dado o iminente embate bélico entre Rússia e França. Segundo a narrativa de Tolstói, é possível deduzir que o francês era praticamente uma segunda (primeira?!) língua oficial do país, pelo menos entre os integrantes da alta sociedade. Até cartas informais, para amigos íntimos, eles escreviam integralmente em francês.
↪ Essa questão do francês é tão relevante no livro, que ela presta-se inclusive para que Tolstói trace o perfil de uma das personagens ao leitor. Hippolyte, o sujeito cujo "(...) rosto era ensombrecido por um idiotismo e exprimia, de forma constante, um azedume presunçoso, (...)" era o indivíduo que, conforme nos esclarece Rubens Figueiredo em uma nota de rodapé, trocava as palavras em francês e que "(...) começou a falar em russo tal como o pronunciam os franceses depois de viver um ano na Rússia." Ou seja, o modo com que Hippolyte falava mal o francês nos permite concluir que ele era, basicamente, um babaca presunçoso.
↪ "E falando em sociedade russa" no. 1...: Esse livro parece trazer uma das maiores quantidades de personagens por página quadrada. Apesar disso, não estou tendo (ainda) dificuldades em me situar entre elas; porém já aviso que não me sentirei culpada caso eu troque as bolas, visto que nem mesmo as próprias personagens conseguem se situar:
"- O senhor está enganado (...). Sou Boris, filho da princesa Anna Mikháilovna Drubetskaia. O Rotsóv pai se chama Iliá, mas o filho se chama Nikolai. E eu não conheço nenhuma madame Jacquot.
Pierre sacudiu os braços e a cabeça como se mosquitos ou abelhas o tivessem atacado.
- Ah, mas o que é isso? Confundi tudo. Há tantos parentes em Moscou!"
↪ "E falando em sociedade russa" no. 2...: Como é que esses russos aguentavam fazer tanto social? Todo dia era uma festinha, um bailinho, uma visitinha, um jantarzinho, um.... Só de ler, eu fico bastante aflita. Fora o climinha esperto de puro disse-me-disse.
"- Nós, aqui em Moscou, andamos mais ocupados com jantares e mexericos do que com política. (...) Moscou está ocupada, acima de tudo, com mexericos - prosseguiu."
↪ "E falando em sociedade russa" no. 3...: Por lá, naquela época, as coisas não eram em nada diferentes ao que vale até hoje: o Q.I. — não, claro que não falo do quociente de inteligência; eu falo do "Quem Indique" — sempre tratado a peso de ouro, pois é o que faz a roda girar na sociedade, coleguinhas.
"A influência na sociedade é um capital que é preciso poupar, para que ele não acabe. O príncipe Vassíli sabia disso e, assim que se deu conta de que se começasse a pedir por todos os que lhe pediam em pouco tempo não poderia mais pedir por si mesmo, raramente fazia uso da sua influência."
↪ "E falando em sociedade russa" no. 4..: As ocupações da moda para a alta sociedade eram três: funcionário público, diplomata ou militar. Ok.
↪ "E falando em sociedade russa" no. 5...: Quando o assunto é zoeira alcoólica, os russos deixam até brasileiros no chinelo. O nível da brincadeira dos rapazes, na minha opinião, era hardcore; tipo:
- apostar quem seria capaz de entornar uma garrafa de rum e sentar na janela do terceiro andar com as pernas para fora?!
- amarrar um inspetor nas costas de um urso e soltar o bicho nadando em um canal?!
~ô loco, meu.~
↪ "E falando em sociedade russa" no. 6...: Aaaaah, o casamento... Se até hoje ainda não tornou-se uma instituição totalmente falida, imagine então naquela época.
"(...) o casamento, a meu ver, é uma instituição divina à qual é preciso conformar-se."
A julgar pelo modo com que o jovem príncipe Andrei Bolkónski trata a esposa, os homens também não escapavam à obrigação social do casamento. Da maneira com que Tolstói descreve, inclusive; a impressão que fica é que o príncipe 1. ou casou-se por conta de uma arma apontada para sua cabeça, ou 2. acordou um belo dia como o Gregor Samsa - "...ao despertar de um sonho inquieto, descobriu-se em sua cama casado com uma enfadonha e bigoduda esposa."
↪ Aliás, vamos aproveitar para dar uma espiada no que andavam falando sobre nós, mulheres? Só coisa fina:
(1)
"(...) É uma dessas raras mulheres com quem podemos ficar tranquilos quanto à nossa honra; (...)"
(2)
"Mas amarrar-se a uma mulher e, como um condenado preso em grilhões, vai perder toda a liberdade. E tudo o que houver de força e de esperança, tudo será só um peso (...). Salões, mexericos, bailes, vaidade, futilidade...eis o círculo vicioso do qual não consigo sair."
(3)
"Meu pai tem razão. Egoismo, vaidade, estupidez, futilidade em tudo: isso são as mulheres, quando se revelam por inteiro, tais como são. Quando a gente as observa na sociedade, parece existir alguma coisa, mas não há nada, nada, nada!"
(4)
"E as duas vão falar até não poder mais. Isso é coisa de mulher."
(5)
"- Mau negócio, hein?
- O quê, meu pai?
- A esposa! (...) não há nada a fazer (...). São todas assim."
↪ Mãããs... Algo que achei bem legal e interessante nessa primeira parte foi a sinalização de que Tolstói talvez explorará, sob uma perspectiva bastante positiva, diferentes relações de forte amizade entre mulheres: 1. Condessa Rostóv x Anna Mikháilovna, 2. Natália x Sônia, 3. Mariá x Julie.
"Choravam porque eram amigas; e porque eram boas; e porque, amigas de juventude, tinham de se preocupar com aquele assunto vulgar - o dinheiro; e porque sua mocidade já tinha passado...Mas as lágrimas das duas lhes eram agradáveis..."Essa passagem acabou me dando até uma ideia para nome de banda (se eu tivesse uma): Russian Girlmance.
↪ Até este ponto, a obra de Tolstói indica que focará sua narrativa especialmente na juventude da Rússia da época, e, claro, nos impactos que o confronto com a França causará sobre ela — praticamente todos os núcleos familiares da história cedem uma de suas jovens figuras à guerra. Retomando-se os perfis traçados, constatamos, então, que a Rússia estava mandando para a guerra, por exemplo, 1. jovens capazes de amarrar inspetores a ursos e 2. jovens que apenas fugiam da vida matrimonial fracassada. Vai dar super certo, né?
Também por essa razão, achei que esse início evocou, com as devidas proporções e ressalvas, o livro Pais e Filhos, do Turguêniev.
Também por essa razão, achei que esse início evocou, com as devidas proporções e ressalvas, o livro Pais e Filhos, do Turguêniev.
"(...) e ali Pierre se deteve, esperando uma oportunidade para expressar seus pensamentos, como os jovens gostam de fazer."
"(...), a ingenuidade do seu egoísmo de jovem era tão flagrante que ele desarmava os seus ouvintes."
↪ Para leitores do século XXI, este comentário do príncipe Nikolai Andréievitch Bolkónski a respeito dos alemães é de causar arrepios:
"Além do mais, começou atacando os alemães. Só os preguiçosos não vencem os alemães. Desde que o mundo é mundo, todos vencem os alemães. E eles não vencem ninguém. Só vencem uns aos outros."↪ Mária, me perdoa, mas te achei um tantinho chata, sabe?
"(...) parece-me inútil ocupar-se com uma leitura ininteligível (...) Vamos ler os apóstolos e o evangelho (...) devemos nos persuadir de que quanto menos dermos asas ao nosso fraco espírito humano, mais agradável será para Deus, que rejeita toda ciência que não venha dele; quanto menos tentarmos nos aprofundar naquilo que Ele houve por bem esconder da nossa consciência, tanto mais cedo Ele nos concederá a descoberta por meio do seu espírito divino."
Será que esse pensamento já espelha o de Tolstói na época? Até onde eu saiba, ele foi um cristão fervoroso.
"- Se todos fossem para a guerra só por causa de suas convicções, não haveria guerras - disse.
- E isso seria maravilhoso - disse Pierre."